Marco Bianchini ilustra a remoção de um cálculo dental que, pelas suas características, estava há muitos anos no fundo de uma bolsa periodontal.

Se nos reportarmos ao histórico da Periodontia, encontraremos uma definição do cálculo dental feita por Albucassis, médico árabe que escreveu uma enciclopédia médica no ano 1.000 d.C., que se aplica até os dias de hoje: “Há acúmulo nas raízes dos dentes, dentro, fora e entre as gengivas, de camadas ásperas e feias que podem ser pretas, amarelas ou verdes, gerando corrupção e supuração das gengivas ao redor dos dentes”¹.

Na verdade, o cálculo é uma massa de placa bacteriana calcificada, composto em suas camadas mais profundas por bactérias mortas aderidas aos dentes. Nas suas camadas mais superficiais, é revestido pela placa não mineralizada vital. Estes biofilmes mineralizados, que conhecemos como cálculo, são formados por cristais de vários tipos de fosfatos de cálcio e desenvolvem-se acima ou abaixo da margem gengival livre (supra ou subgengival) como depósitos moderadamente duros, de cor branca, amarelada ou escurecida¹.

O cálculo dental representa o primeiro registro fossilizado de grupos bacterianos associados ao corpo humano. Assim, tornou-se uma importante fonte de informação relacionada à evolução do microbioma humano. Vale lembrar que microbioma humano é a soma de todos os microrganismos que residem nos tecidos e fluidos humanos, composto principalmente de bactérias, mas também repleto de fungos e vírus. Cada local anatômico (pele, boca, intestino, vagina etc.) possui seu microbioma específico. Porém, sabe-se que algumas espécies podem ser encontradas em mais de um local anatômico.

Algumas espécies de vírus e fungos, bem como microrganismos do trato respiratório associados a doenças, foram identificadas pela Arqueologia, tanto em biofilmes calcificados dos nossos ancestrais como em biofilmes mineralizados de indivíduos da era atual². Com isso, diferentes estratégias mais modernas de sequenciamento de DNA têm sido aplicadas ao cálculo dental encontrado em fósseis. Estas descobertas descreveram imensas possibilidades para que o cálculo dental seja uma importante fonte natural para novos achados nas pesquisas biomédicas^2-3.

Investigações modernas da microbiota humana nativa demonstraram que o microbioma humano desempenha um papel central na saúde geral e nas doenças crônicas. Estas pesquisas vêm levantando questões sobre mudanças na ecologia microbiana, diversidade e função ao longo do curso da evolução humana¹. O cálculo dental se mostra abundante e praticamente onipresente nos achados arqueológicos humanos. Ele representa um reservatório de longo prazo do microbioma oral antigo de nossos ancestrais, preservando não apenas as biomoléculas microbianas e hospedeiras, mas também os restos alimentares e ambientais.

Assim, o estudo de biofilmes mineralizados ou fossilizados antigos pode fornecer informações sobre fatores de virulência bacteriana, proteínas de defesa do hospedeiro e o desenvolvimento de doenças da nossa civilização, que são enfrentadas atualmente. De vilão periodontal, o cálculo dental passa agora a desempenhar um papel fundamental na biologia evolutiva dos seres humanos, servindo de base para futuras descobertas que poderão levar à cura de algumas doenças que nos afligem.

As Figuras 1 a 4 ilustram a remoção de um cálculo subgengival que, pelas suas características, estava há muitos anos no fundo de uma bolsa periodontal.