Biomateriais na peri-implantite: caso clínico apresentado representa o que pode acontecer em uma clínica diária envolvendo pacientes reabilitados com implantes osseointegrados.
A perda óssea progressiva em implantes, peri-implantite, é uma frequente (estima-se 20% de incidência) complicação biológica que tem chamado a atenção dos periodontistas e implantodontistas nas últimas duas décadas, sendo tema de debates e grandes discussões sobre sua etiologia e seu tratamento. Do pouco que sabemos, a peri-implantite tem seu início fortemente ligado ao acúmulo de biofilme, dentre outros fatores de risco também associados à perda de inserção ao redor dos dentes (periodontite).
Assim, quando se trata de um processo patológico provocado por acúmulo de biofilme, que culmina em uma perda óssea progressiva, o tratamento deve envolver a descontaminação da superfície do implante, e esforços devem ser realizados para a recuperação dos tecidos peri-implantares perdidos.
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Neste contexto, os procedimentos de regeneração óssea guiada (ROG) e o uso de biomateriais, incluindo membranas/barreiras e substitutos ósseos, podem contribuir de forma significativa no restabelecimento dos tecidos comprometidos. É importante lembrar que os procedimentos de ROG seguem naturalmente os conceitos das cirurgias periodontais regenerativas, nos quais o isolamento do defeito, a cicatrização por primeira intenção, a estabilidade do coágulo e a presença de fontes celulares para repopulação celular do defeito na fase regenerativa da cicatrização são condições inequivocamente necessárias à regeneração plena de qualquer tecido1, incluindo o peri-implantar.
O caso clínico apresentado nesta coluna representa o que pode acontecer em uma clínica diária envolvendo pacientes reabilitados com implantes osseointegrados (Figuras 1 a 3).
Visando entender o efeito do uso da ROG em parâmetros de ganho ósseo, foi realizado pelo nosso grupo de pesquisa um estudo pré-clínico envolvendo a peri-implantite induzida e seu tratamento com ou sem ROG2, com o mesmo protocolo regenerativo do caso clínico aqui apresentado. Neste estudo, foram avaliados por meios estatísticos, através de uma equação de estimativa generalizada, quais fatores poderiam influenciar em desfechos associados ao ganho ósseo, não encontrando ganhos ósseos adicionais com o uso do protocolo de ROG. No entanto, foram encontrados resultados negativos em implantes que, após a terapia realizada (qualquer que fosse ela), apresentassem exposição precoce (deiscência de retalho) à cavidade oral. Estes resultados são condizentes com o que a literatura relaciona à exposição precoce de membranas em casos de regeneração tecidual guiada3.
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Outro dado importante deste estudo foi a visualização biológica do que seria este preenchimento radiográfico do defeito (Figura 3b). Quando é utilizado um biomaterial que visa mimetizar/substituir o osso autógeno perdido, parte deste material será integrado e conduzirá a recuperação óssea entre as partículas, muitas vezes por entre os poros das mesmas (Figura 4, seta amarela), e parte será envolvida por tecido conjuntivo fibroso (ficará encapsulado), mantendo o volume tecidual, mas sem contato com o osso nativo (Figura 4, seta rosa). Desse modo, de maneiras diferentes, o mesmo biomaterial pode manter ou preencher o espaço vazio deixado pelo tecido de granulação removido durante o acesso cirúrgico e, em ambos os casos, apresentar uma imagem radiográfica compatível com “ganho ósseo”.
Se considerarmos este preenchimento, mesmo que por vezes entremeado por tecido mole, em uma região interproximal ou mesmo livre em um setor anterossuperior, mesmo que este “ganho ósseo” não seja histológico, ele pode sim representar vantagens, principalmente se ele suportar uma região interproximal e evitar, por exemplo, um espaço negro. No entanto, devemos nos atentar que muito de nosso resultado regenerativo se dá por outros fatores muito mais importantes do que o material que inserimos em nossos defeitos – um desenho correto da incisão, uma manipulação delicada do retalho, uma desinfecção bem realizada e um fechamento primário de ferida cirúrgica alcançado sem tensão podem ser de maior valia do que a marca do biomaterial utilizado ou o seu custo. Alguns estudos envolvendo estratégias minimamente invasivas em regeneração periodontal têm demonstrado a importância dos cuidados com acesso e fechamento primário nos desfechos regenerativos4.
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Finalmente, na literatura periodontal há dados suficientes para escolhermos regenerar dentes e não os substituir de imediato5, quando existe uma indicação para tal terapia. Desse modo, podemos transportar este raciocínio e, sempre que for indicado, realizar a tentativa de tratar regenerativamente os implantes comprometidos por peri-implantite.
Referências
1. Susin, C., & Wikesjo, U. M. (2013). Regenerative periodontal therapy: 30 years of lessons learned and unlearned. Periodontol 2000, 62(1), 232-242. doi:10.1111/prd.12003
2. Ramos, U. D., Suaid, F. A., Wikesjo, U. M. E., Susin, C., Taba, M., Jr., & Novaes, A. B., Jr. (2017). Comparison between two antimicrobial protocols with or without guided bone regeneration in the treatment of peri-implantitis. A histomorphometric study in dogs. Clin Oral Implants Res, 28(11), 1388-1395. doi:10.1111/clr.12998
3. Sanz, M., Tonetti, M. S., Zabalegui, I., Sicilia, A., Blanco, J., Rebelo, H., . . . Suvan, J. E. (2004). Treatment of intrabony defects with enamel matrix proteins or barrier membranes: results from a multicenter practice-based clinical trial. J Periodontol, 75(5), 726-733. doi:10.1902/jop.2004.75.5.726
4. Aslan, S., Buduneli, N., & Cortellini, P. (2017). Entire Papilla Preservation Technique: A Novel Surgical Approach for Regenerative Treatment of Deep and Wide Intrabony Defects. Int J Periodontics Restorative Dent, 37(2), 227-233. doi:10.11607/prd.2584
5. Cortellini, P., Stalpers, G., Mollo, A., & Tonetti, M. S. (2020). Periodontal regeneration versus extraction and dental implant or prosthetic replacement of teeth severely compromised by attachment loss to the apex: A randomized controlled clinical trial reporting 10-year outcomes, survival analysis and mean cumulative cost of recurrence. J Clin Periodontol, 47(6), 768-776. doi:10.1111/jcpe.13289
Coordenação:
Sérgio Luís Scombatti
Doutor em Periodontia – FOB/USP; Livre-docente em Periodontia e professor do Depto. de CTBMF e Periodontia Forp–USP.
Orcid: 0000-0002-6199-7348.
Coautor convidado:
Umberto Demoner Ramos
Especialista, mestre e doutor em Periodontia – Forp/USP.