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Lesões endoperiodontais: o dilema entre tratar ou extrair

Grandes especialistas apresentam casos clínicos e contam como lidam com as lesões endoperiodontais. Afinal, é melhor tratar ou extrair?

A reabilitação oral pode seguir caminhos diferentes para chegar a um mesmo resultado. No caso das lesões endoperiodontais, é importante considerar uma série de fatores biológicos e funcionais durante o processo de decisão entre tratar ou extrair o elemento dentário.

Não podemos deixar de mencionar que esse é um tema polêmico, que rende longos debates, divide opiniões e sempre gera boas discussões. É exatamente o que buscamos aqui: ouvir como endodontistas e periodontistas lidam com essa situação em seus consultórios. Vamos refletir – e aprender – um pouco mais sobre esse assunto?

Renato Vasconcelos Alves
Mestre e doutor em Periodontia – FOP/Unicamp; Pós-doutorado em Periodontia e professor adjunto de Periodontia – Faculdade de Odontologia de Pernambuco.

Durante muitos anos, a preocupação diante destas lesões combinadas era estabelecer caminhos terapêuticos a partir do diagnóstico e das classificações dos envolvimentos endodôntico- -periodontais. No entanto, mais importante do que estabelecer a sequência cronológica dos eventos é entender a necessidade de abordar de forma interdisciplinar estas condições, partindo sempre de critérios clínicos bem fundamentados na literatura.

De acordo com Herrera et al. (2018), a classificação das lesões endodôntico-periodontais deve ser feita de acordo com os sinais e sintomas que possam ter impacto direto no prognóstico, como a presença ou ausência de fraturas e perfurações, e a presença ou ausência de periodontite. Sendo assim, o dano radicular representa fator preponderante na tomada de decisão para o tratamento, visto que a ocorrência de fraturas radiculares, perfurações ou reabsorções demandam geralmente a atenção da Endodontia; e as lesões associadas a defeitos periodontais requerem a intervenção do periodontista junto com o tratamento endodôntico.

Outra análise imprescindível refere-se à vitalidade pulpar. Frequentemente, as lesões endoperiodontais estão associadas a quadros de necrose pulpar, sendo o defeito periodontal nada mais do que uma via de drenagem do conteúdo séptico intracanal, eliminado apicalmente pelo sistema de canais radiculares. Nestes casos, quando a periodontite não é uma condição presente, a realização do tratamento endodôntico produz uma resposta quase que totalmente efetiva, havendo a necessidade apenas da descontaminação da bolsa periodontal produzida por esta “via de drenagem”. A mobilidade dentária, que também é um sinal presente nestas situações clínicas, tende a regredir após a terapia combinada. O caso apresentado ilustra bem a viabilidade destas abordagens.

Em suma, a opção pela extração deve ser considerada quando o estado periodontal da boca como um todo for muito deteriorado ou quando a estratégia reabilitadora do caso demanda a remoção do dente em questão. Entretanto, quando as informações diagnósticas forem favoráveis ao sucesso da terapia combinada (Endodontia e Periodontia), nossos esforços devem sempre ser no sentido da manutenção do dente.

Fausto Frizzera
Mestre, especialista e pós-doutorado em Periodontia – FOAr/Unesp; Doutor em Implantodontia – FOAr/Unesp.

Definir objetivamente entre salvar ou manter um dente com lesão endoperiodontal não é tarefa simples, pois leva em consideração diversos fatores – e, ao final, a vontade do paciente tem um grande peso.

Antes de realizar a exodontia, é necessária uma análise do risco de manter o dente, definir seu prognóstico e valor em uma reabilitação protética, além de analisar os procedimentos necessários para o tratamento, custo, condição sistêmica, capacidade de higienização do paciente, possíveis complicações e alternativas. Implantes são ótimos substitutos de dentes comprometidos, porém definir esse comprometimento é importante para traçar um plano de tratamento apropriado.

Lesões endoperiodontais que apresentam dano radicular (fratura, perfuração e reabsorção radicular externa) são situações delicadas em que o sucesso do tratamento está relacionado à integração, conhecimento científico e habilidades dos profissionais envolvidos. Funciona como uma corrente: a falha em um dos seus elos (especialidades) pode significar o insucesso. Reabsorções externas pequenas a nível apical, fraturas oblíquas ou perfurações a nível cervical podem ser tratadas ou controladas durante anos. Danos à raiz de maior complexidade são tentativas de salvar o dente, e a definição do tratamento dependerá muito da vontade do paciente.

A presença de bolsa profunda em decorrência do acometimento endoperiodontal em paciente sem periodontite determina um prognóstico mais favorável e a possibilidade de manter o dente após tratamento endodôntico e acompanhamento periodontal. Já pacientes periodontais apresentam prognóstico mais desfavorável, em que casos selecionados podem até receber regeneração tecidual guiada para ganho de inserção.

Diante das possibilidades de tratamento, é importante que o paciente seja acompanhado periodicamente e, se apresentar perda de inserção progressiva, a opção de salvar o dente deve ser revista.

José Luiz Lage-Marques
Mestre e doutor em Endodontia, e professor livre-docente de Endodontia – Fousp; Pós-doutorado em Laser em Endodontia – Universidade de Showa (Tóquio, Japão); Professor – São Leopoldo Mandic, São Paulo.

Nos últimos anos, a Endodontia observou mudanças que repercutem significativamente no conforto do paciente, especialmente no controle da infecção e na biomodulação do processo inflamatório.

A literatura atual separa os avanços em categorias, como: localizadores eletrônicos foraminais, radiografia digital, tomografia de alta resolução e pequeno volume, sistemas de instrumentação mecanizada e seus motores, nanotecnologia, Apexum, instrumentos adaptáveis, SAF, família XP, Endodontia guiada ou virtualmente guiada (Endoguide e XGuide), magnificação, sistemas de irrigação (Endovac, I-VAC, Gentlewave Irrigation) e microcirurgia endodôntica, além dos cimentos regenerativos e muitos outros.

Porém, nenhum texto estará completo se não abordar o emprego do laser em Endodontia e da ozonioterapia – temas completamente inseridos na prática da especialidade e que juntos superam nove mil publicações nos últimos dez anos. Sendo assim, cabe refletir sobre o quão revolucioná rias sã o as possibilidades de cura diante da ação profissional capacitada que empregue uma técnica segura, atual e moderna, associada a alternativas tecnológicas. Para isso, a formação profissional envolvendo senso crítico, conhecimento e experiência são fatores importantes no processo de decisão entre tratar e extrair o elemento dentário.

Para qualquer tratamento, é fundamental a análise de três fatores: 1) se o tratamento é necessário; 2) se o paciente deseja o tratamento proposto; 3) se o profissional tem o domínio e a capacitação para realizá-lo com qualidade. Com esses requisitos estabelecidos, uma boa seleção de caso, um exame clínico associado ao estudo de imagens de alta resolução e pequeno volume, o tratamento com prognóstico favorável será previsível, salvo exceções que envolvem especialmente a fragilidade radicular, bem como algumas restrições do planejamento da reabilitação. Poucas são as situações em que a terapia endodôntica é desaconselhada.

A reabilitação oral pode seguir caminhos diferentes para chegar a um mesmo resultado, porém o diálogo aberto com a equipe de trabalho mostra invariavelmente como errar o mínimo possível.

Giulio Gavini
Mestre, doutor e livre-docente em Endodontia, e professor titular de Endodontia – Fousp.

Para o diagnóstico diferencial das lesões endoperiodontais, podemos classificá-las em: doença endodôntica com envolvimento periodontal; alteração periodontal com envolvimento endodôntico secundário; e a verdadeira lesão endo-perio, que ocorre quando a periodontite apical, associada a um dente com necrose pulpar, une-se à perda óssea periodontal vertical causada pela periodontite. Nesse último caso, a perda de inserção óssea costuma ser grande e o prognóstico bastante duvidoso.

Nos casos de doença endodôntica primária com alteração periodontal secundária, está indicado o tratamento endodôntico e controle clínico após três meses para avaliar a necessidade da terapia periodontal complementar. Esse período de tempo costuma ser suficiente para a cicatrização inicial dos tecidos e melhor avaliação periodontal.

Os casos de doença periodontal com envolvimento endodôntico secundário e a lesões endoperiodontais verdadeira requerem tratamentos endodôntico e periodontal concomitantes. Quando a terapia endodôntica é realizada de forma adequada, o prognóstico dependerá da eficácia do tratamento periodontal. Para determinar a permanência do elemento dental, além dos aspectos endodônticos e periodontais, deve-se avaliar também a quantidade e a qualidade da estrutura dentinária.

Adriana de Jesus Soares
Mestra, doutora e livre-docente em Endodontia – FOP/Unicamp; Professora associada I – FOP/Unicamp.

A decisão acerca da manutenção ou extração do elemento dentário depende dos critérios clínicos periodontais e endodônticos: presença/ausência de supuração, profundidade da bolsa periodontal, ganho/perda de suporte ósseo, além de presença de trincas, reabsorções radiculares e fraturas radiculares que possam interferir na saúde sistêmica do paciente. Desta forma, sugere-se que um canal radicular infectado possa servir como reserva de bactérias, mantendo a inflamação periapical e estimulando a inflamação marginal. Assim, a terapia deveria ser direcionada para a remoção dos fatores etiológicos responsáveis pela destruição do tecido pulpar e, posteriormente, do tecido periodontal.

Portanto, o tratamento da terapia endodôntica assume uma posição de grande importância, visto que muitos objetivos da terapia podem ser alcançados com um prognóstico mais favorável. Nesses casos, o reparo ósseo é um resultado previsível após a terapia endodôntica adequada, uma vez que os fatores etiológicos são removidos e o canal radicular é adequadamente obturado.

Cabe à Endodontia prover os meios mais adequados para a desinfecção do canal e realizar uma obturação satisfatória, o que determinaria a cicatrização dos tecidos afetados. O reparo pode ser obtido se a desinfecção e a obturação forem corretamente realizadas, certificando-se da resolução da inflamação periapical. Do ponto de vista periodontal, além dos sinais radiográficos, o ganho de inserção clínica pode ser um bom indicador de que houve resolução do problema endodôntico e que o defeito, agora presente, pode ser de origem estritamente periodontal.

Portanto, o cirurgião-dentista deve levar em consideração se o elemento dentário é passível de reabilitação com próteses ou até mesmo manutenção do elemento íntegro, mas que tenha função, além de verificar a expectativa do paciente em relação à estética e função.

O tratamento endodôntico e periodontal tem por objetivo a manutenção do dente, entretanto, quando o paciente busca sobretudo a estética, apenas manter os elementos dentários não vai suprir esse desejo. Esses são casos em que já houve perda de muitos elementos dentários e apresenta perda óssea, alteração de cor, restaurações extensas e posições incorretas. Nessas situações, o cirurgião-dentista pode optar por extrações para o paciente realizar uma reabilitação com prognóstico mais favorável.

André Vilela
Mestre em Periodontia; Especialista em Periodontia e Implantodontia; Professor dos cursos de especialização em Periodontia e Implantodontia – APCD Central/Faoa.

Tratar ou condenar um dente periodontalmente comprometido é uma das decisões mais difíceis para o cirurgião-dentista. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a doença periodontal acomete 90% da população mundial e ainda é um dos fatores mais relacionados à perda dentária.

Por ser uma doença infecto-infl amatória, que depende da estruturação do biofilme passando de um processo simbiótico de equilíbrio para um processo disbiótico – ou seja, quando existe um desequilíbrio entre a ecologia microbiana, onde o número de microrganismos periodontopatogênicos supera a quantidade de bactérias benéficas –, o seu grau de severidade e progressão está intimamente relacionado com a resposta imunológica do hospedeiro, que pode ser modulado por fatores de risco e fatores ambientais.

Diante dessa realidade, a perda de inserção causada pela doença periodontal ainda é um dos fatores principais para a tomada de decisão no momento de tratar o dente – desde que o elemento seja funcional do ponto de vista biológico e mecânico. Outras questões também são importantes para essa decisão, como: tipo de perda óssea, características do defeito infraósseo, grau de mobilidade, perda de nível clínico de inserção, padrão e estabilidade oclusal, envolvimento de furcas e de lesões endoperiodontais, entre outros.

Nos casos de perda de inserção com envolvimento endodôntico, a colonização microbiológica acaba acometendo tanto o espaço periodontal quanto o espaço endodôntico. Portanto, o plano de tratamento está relacionado à abordagem multidisciplinar que envolve primeiramente a terapia endodôntica e, em seguida, a periodontal para “bloquear” as vias de contaminação do local.

Nos casos de defeitos infraósseos associados à lesão endo-perio, deve-se avaliar a possibilidade de manter o dente e associar o tratamento periodontal anti-infeccioso às manobras regenerativas. Pode-se conciliar o uso de biomateriais com potencial biológico regenerativo (como as amelogeninas) e biomateriais inorgânicos de lenta reabsorção para preenchimento do defeito, com o intuito de parar o processo de progressão da doença e regenerar parte do tecido de inserção perdido.

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