Victor Montalli mostra que a luz ultravioleta (UV) tem sido muito utilizada como opção para aumentar a biossegurança no ambiente odontológico.
A luz ultravioleta (UV) tem sido utilizada por muitos colegas como opção para aumentar a biossegurança no ambiente odontológico diante da pandemia da Covid-19. Diversos equipamentos com a tecnologia da radiação UV foram lançados recentemente, desde aparelhos portáteis a “robôs”, alguns nacionais e outros importados, vendidos sem regulamentação no Brasil. Todos prometem inativar patógenos indesejáveis, principalmente o vilão do momento: o vírus SARS-CoV-2.
Como se sabe, a transmissão do agente etiológico da Covid-19 ocorre especialmente entre os contactantes diretos, incluindo diversos profissionais de saúde. A maioria dos estudos publicados até o momento confirma o alto potencial de transmissão viral pelo ar, especialmente quando existe a geração do aerossol (partículas menores do que 5 μm).
Em ambiente odontológico, a geração de aerossóis se dá pelo simples ato de utilizar periféricos (alta rotação, por exemplo) durante o atendimento. Caso o paciente esteja infectado, mesmo que assintomático, pode contaminar o ambiente com o vírus carreado pelo aerossol.
Um estudo laboratorial recente, realizado por van Doremalen et al (2020), descreveu a viabilidade do vírus SARS-CoV-2 em aerossóis por três horas. Sendo assim, parece tentador ter um equipamento para diminuir a quantidade de patógenos no ambiente odontológico, não é mesmo?
As tecnologias que utilizam lâmpadas UV cobrindo as faixas espectrais biocidas (UV-C, 200-280 nm) existem há muitas décadas e são utilizadas rotineiramente em ambientes onde existe a necessidade de controle biológico, como é o caso dos laboratórios de pesquisa e farmacêuticos, por exemplo.
A radiação UV é classificada, no espectro eletromagnético, em uma faixa de comprimento de onda situada entre a luz visível e os raios X, isto é, entre 200 nm e 380 nm, sendo que a subdivisão mais conhecida e emitida pela energia solar é a UV-A (320-400 nm), UV-B (280-320 nm) e UV-C (200-280 nm), Figura 1.
Porém, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou uma nota técnica (https://bit.ly/33Pb36f) em agosto informando que não foram encontradas evidências científicas, até o momento, de que o uso de tecnologias baseadas em UV seja eficaz no combate ao vírus SARS-CoV-2.
Vale ressaltar que a radiação UV-C é bem aceita como um desinfetante eficaz, desde que a luz não tenha barreiras, gerando sombra. A tecnologia realiza a desinfecção inativando o patógeno-alvo por efeito da radiação eletromagnética. Dessa forma, os danos aos materiais genéticos provenientes da absorção da radiação ultravioleta são considerados o principal mecanismo de destruição de vírus, bactérias e fungos.
Há muitos anos se discute a dosagem adequada de UV-C e a resposta microbiana, com sua fluência, que é a resultante entre a intensidade de UV-C e o tempo, tipicamente expressa em Joules por metro quadrado (J/m2) ou microjoules por centímetro quadrado (μJ/cm2), que são constantes da taxa de inativação dependente do vírus, bactéria ou fungo. Confira na tabela a dosagem necessária para eliminação dos microrganismos mais comuns da Odontologia.
A eficácia do UV-C depende da sua fluência fornecida aos microrganismos, que é a irradiância média multiplicada pelo tempo. Para o coronavírus, a fluência necessária é de 226 J/m2. Portanto, utilizando-se como base uma lâmpada de 90 w UV-C, que libera 3,04 w de UV-C por m2, caso o vírus esteja a uma distância linear de 2 m, é necessário que ele receba cinco minutos de UV-C; para a distância de 3 m, 11 minutos; e para a distância de 5 m, 35 minutos. Portanto, desde que os parâmetros de fluência, distância e tempo de exposição sejam utilizados adequadamente, a radiação ultravioleta tem efeito biocida.
Assim, como ter certeza de que um determinado dispositivo UV-C atende aos parâmetros citados e é realmente eficaz na desinfecção dos ambientes? Um aspecto importante a ser observado é a lâmpada. A qualidade, longevidade e intensidade são considerações críticas na compra de qualquer dispositivo UV-C. A maioria deles usa lâmpadas de mercúrio de baixa pressão, que foram exaustivamente estudadas.
Sua eficácia está bem estabelecida na literatura. A maioria dos dispositivos móveis usa o comprimento de onda germicida de 253,7 nm. Caso a informação da fluência do equipamento não seja fornecida pelo fabricante, a radiação UV-C pode não ser suficiente para promover a redução microbiana desejada.
Outros parâmetros importantes estão relacionados aos sistemas de segurança. Muitos dispositivos UV-C apresentam sensores de segurança de 360° que irão imediatamente desligar o dispositivo, caso uma pessoa entre no espaço. Este é um recurso importante na prevenção da exposição acidental e deve ser obrigatório para todos os dispositivos UV-C.
A exposição ao UV-C pode ser perigosa e, portanto, deve ser evitada. Os efeitos da exposição podem incluir danos oculares, que começam com fotoqueratite. Além disso, danos cutâneos que consistem em eritema – como uma queimadura de sol – podem ocorrer após a exposição.
Sendo assim, o uso coadjuvante da UV-C com os outros métodos de desinfecção usados rotineiramente (desinfetantes químicos) pode ser extremamente valioso no combate à pandemia Covid-19 e parece ser uma alternativa para os novos tempos. Seguindo os parâmetros adequados, a utilização da tecnologia UV-C mostra-se altamente eficiente e pode ser utilizada em diversas situações clínicas, como a desinfecção do ar, superfícies de equipamentos, paredes e tudo o que a luz possa tocar.
DOSAGEM UV-C PARA ELIMINAÇÃO DE MICRORGANISMOS
(*) D90: dose de UV-C para inativação de 90% de microrganismos.
Referências
van Doremalen N, Bushmaker T, Morris DH et al. Aerosol and surface stability of SARS-CoV-2 as compared with SARS-CoV-1. N Engl J Med 2020;382(16):1564-7.
Victor Montalli
Doutor em Ciências Médicas, área de concentração em Patologia – Mestre e pós-doutorado em Patologia bucal, e professor dos cursos de graduação e pós-graduação – SLMandic.