Jamil Shibli e convidados debatem a osteonecrose dos maxilares, um tema que preocupa todos os profissionais da área da Reabilitação Oral.
A osteonecrose dos maxilares relacionada a medicamentos (ONM-M) aflige todos os profissionais que militam na área de Cirurgia e Implantodontia1-2. A ONM-M pode apresentar-se no estágio zero, em que não há exposição de ósseo necrótico associado à sintomatologia e/ou alteração que caracterize perda da continuidade da arquitetura óssea, até o estágio três, em que o osso necrótico exposto contaminado levou à perda de suporte, podendo resultar em fratura patológica. Entretanto, independentemente do estágio da lesão, o tratamento mais conservador possível deverá ser realizado. Os tratamentos baseiam-se na aplicação de antimicrobianos locais e sistêmicos, dependendo da severidade e extensão. A primeira escolha terapêutica de ONM-M infectada são as penicilinas semissintéticas, doxiciclina, levofloxacina ou ceftriaxona, na maior parte das vezes associadas ao metronizadol.
A manutenção do osso necrótico em um ambiente contaminado como a cavidade bucal limita a resposta dos tecidos, mesmo com a terapia antibiótica (Figura 1). Por isso, muitos pacientes ficam durante grandes períodos fazendo uso de medicamentos que causam danos, por vezes, severos e irreversíveis. As necroses afetam também os tecidos moles, uma vez que as medicações antirreabsortivas e antiangiogênicas reduzem a produção de fibroblastos e senescência dos queratinócitos (Figura 2).
Uma metanálise3 mostrou que a terapia não cirúrgica somente com a administração de medicamentos obteve a cura de menos de 23% dos casos. A terapia não cirúrgica com otimização tecidual utilizando o laser de baixa potência (fotobiomodulação – FB) resultou em 44% de cura. A remoção cirúrgica do sequestro ósseo utilizando brocas obteve a cura em aproximadamente 68% dos casos, entretanto o laser de alta potência associado à FB foi efetivo em 90% dos casos. Esta é a primeira proposta de protocolo na busca pela otimização das respostas teciduais: conduta cirúrgica para remoção de osso necrótico e associação do laser de alta potência à FB. A piezocirugia, por causar menor necrose tecidual e estimular o tecido ósseo, pode ser uma alternativa viável ao laser de alta potência (Figura 3).
A FB por meio da luz visível (vermelha, menor comprimento de onda – 660-680 nm) ou mais profunda (infravermelha, maior comprimento de onda – 808-900 nm), associada ao princípio antimicrobiano da terapia fotodinâmica, produz o oxigênio singlet, sendo bacteriana e/ou bacteriostática. Esta é a segunda proposta: imediatamente após a sequestrectomia, aplicar a terapia fotodinâmica antimicrobiana (aPDT) e FB, prosseguindo no pós-operatório. A aplicação do fotossensibilizador azul de metileno (100 mcg/ml, pH neutro, 1 ml por área necrótica) é realizada, aguardando-se o período de um minuto (pré-irradiação). A seguir, a luz visível é aplicada (660 nm; 0.0283 cm2; 35 mW; 180 segundos; 6.3 J/ponto; 222.6 J/cm2; 1.23 W/cm2), Figura 4 e, finalmente, é feita a aplicação da luz infravermelha (808 nm; 0.0283 cm2; 35 mW; 60 segundos; 2.1 J/Acesse as referências, no site da ponto; 74.2 J/cm2; 1.23 W/cm2)4.
A aPDT segue no pós-operatório a cada dois dias, no mínimo, de acordo com a disponibilidade do paciente e gravidade da infecção, e prossegue até a remissão da supuração. A FB continua a cada dois dias, observando que próximo do período de 5-10 dias não houve deiscência de sutura. Em seguida, são feitas duas aplicações por semana até o período próximo de 21 dias a um mês. Depois, uma vez por mês até próximo de 60-90 dias; ou até o fechamento da ferida, caso permaneça aberta com exposição óssea. Para alguns casos, antes do fechamento da ferida, quando o paciente está com o equilíbrio volêmico, o uso de agregados leucoplaquetários autólogos, principalmente a fibrina rica em plaquetas, tem sido bastante interessante5 para a otimização das respostas teciduais (terceira proposta).
Para promover a otimização das respostas teciduais por meio de medicações (quarta proposta), o uso de pentoxifilina 400 mg, de 12/12h por 30 dias, e tocoferol 1.000 UI, um comprimido por dia durante 30 dias, tem efeitos promissores na ONM-M6. A pentoxifilina promove aumento da perfusão vascular, aumentando a angiogênese e o tocoferol (vitamina E), controla o processo inflamatório, inibindo a ativação do fator de necrose tumoral alfa. Na rotina, quando o paciente busca o atendimento com a ONM e não possui contraindicação para o uso da pentoxifilina (hepatopatas, cardiopatas, nefropatas ou que fazem uso de anticoagulantes), além das condutas previamente relatadas, a prescrição desses medicamentos pode ser realizada7.
Portanto, a partir do momento que ocorre a exposição do osso necrótico, atrelado à contaminação pela microbiota oral e alteração dos tecidos moles de recobrimento, a terapia cirúrgica e as condutas para promover a otimização das respostas desses tecidos devem ser consideradas, objetivando a ausência de sintomatologia e fechamento da ferida (Figuras 5).
Referências
- Ruggiero SL, Dodson TB, Fantasia J, Goodday R, Aghaloo T, Mehrotra B et al. American Association of Oral and Maxillofacial Surgeons. American Association of Oral and Maxillofacial Surgeons position paper on medication-related osteonecrosis of the jaw–2014 update. J Oral Maxillofac Surg 2014;72(10):1938-56.
- Khan AA, Morrison A, Hanley DA, Felsenberg D, McCauley LK, O’Ryan F et al. International task force on osteonecrosis of the jaw. Diagnosis and management of osteonecrosis of the jaw: a systematic review and international consensus. J Bone Miner Res 2015;30(1):3-23.
- Momesso GAC, Lemos CAA, Santiago-Júnior JF, Faverani LP, Pellizzer EP. Laser surgery in management of medication-related osteonecrosis of the jaws: a meta-analysis. J Oral Maxillofac Surg 2020;24(2):133-44.
- Ervolino E, Faverani LP, Toro LF, Polo TOB, Theodoro LH, Garcia VG. Terapia fotodinâmica antimicrobiana aplicada às condições patológicas ósseas com envolvimento de infecção (capítulo 19). In: Garcia VG, Theodoro LH (Org.). Lasers na Odontologia: uma visão clínica baseada em evidências científicas (1ª ed.). 2019. p.273-86.
- Toro LF, de Mello-Neto JM, Santos FFVD, Ferreira LC, Statkievicz C, Cintra LTA et al. Application of autologous platelet-rich plasma on tooth extraction site prevents occurence of medication-related osteonecrosis of the jaws in rats. Sci Rep 2019;10;9(1):22.
- Heifetz-Li JJ, Abdelsamie S, Campbell CB, Roth S, Fielding AF, Mulligan JP. Systematic review of the use of pentoxifylline and tocopherol for the treatment of medication-related osteonecrosis of the jaw. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol 2019;128(5):491-7.
- Cavalcante RC, Tomasetti G. Pentoxifylline and tocopherol protocol to treat medication-related osteonecrosis of the jaw: a systematic literature review. J Craniomaxillofac Surg. 2020;48(11):1080-6.
Coordenação:
Jamil A. Shibli
Professor titular do Programa de pós-graduação em Odontologia, áreas de Implantodontia e Periodontia – Universidade Guarulhos (UnG); Livre-docente do Depto. de Cirurgia e Traumatologia BMF e Periodontia – Forp/USP; Doutor, mestre e especialista em Periodontia – FOAr-Unesp.
Orcid: 0000-0003-1971-0195.
Autores convidados:
Leonardo Perez Faverani
Professor de graduação, mestrado e doutorado nas áreas de CTBMF e Implantodontia – FOA/Unesp. Residente-especialista, mestre, doutor e Pós-doutor em CTBMF.
Orcid: 0000-0003-2249-3048.
Leonardo Alan Delanora
Mestrando em CTBMF – FOA/Unesp.
Orcid: 0000-0002-3002-4420.