Instrumentos piezoelétricos definiram um novo patamar de qualidade cirúrgica. Entenda como a Odontologia se beneficia da tecnologia.
Um toque de tecnologia
Uma das maiores transformações vivenciadas pela cirurgia óssea oral é resultado da evolução de uma tecnologia centenária. Em 1880, enquanto pesquisavam as propriedades dos cristais, Pierre e Jacques Curie perceberam que, ao comprimir um fragmento anisotrópico, como quartzo, era possível gerar uma pequena diferença de potencial elétrico, produzindo energia vibratória de alta frequência. Um ano mais tarde, os dois irmãos franceses fizeram o caminho inverso: esse mesmo tipo de material se deforma quando se aplica tensão elétrica.
Essa particularidade interessante demonstra, na prática, uma forma natural de converter energia mecânica em elétrica. Recebeu o nome de piezoeletricidade – algo como “eletricidade de pressão” –, proveniente do grego “piezein”, que significa “pressionar”. Em pouco mais de 100 anos, aplicações comerciais e desenvolvimento de materiais piezoelétricos (PZT) derivaram desta propriedade.
Ela está no acendedor elétrico do fogão, no luminoso da sola de um tênis para crianças, mas também em equipamentos médicos, como nos diagnósticos por meio de ultrassonografia ou no litotritor para tratamento renal. Na Odontologia, a tecnologia também está presente nos instrumentos de ultrassom piezoelétricos, comuns na remoção de cálculos ou tártaros.
Instrumentos cirúrgicos
Há relatos na literatura clínica envolvendo o uso de instrumentos vibratórios ultrassônicos para cirurgias ósseas e corte de tecidos moles desde os anos 1950. Impulsionado por suas limitações, além da insatisfação com os instrumentos rotatórios tradicionais, o italiano Tomaso Vercellotti mergulhou nos efeitos piezoelétricos para aperfeiçoar a técnica. Uma ponta ativa cerâmica fixada a um bisturi é conectada a um transdutor. Ele, por sua vez, gera ondas ultrassônicas, aproximadamente três vezes mais potentes do que os equipamentos dentários convencionais. A vibração gerada na ponta ativa promove uma ação capaz de furar e cortar tecidos mineralizados, incluindo tecidos dentários.
A partir das suas primeiras iniciativas, ao final dos anos 1980, Vercellotti firmou uma parceria com uma fabricante de dispositivos eletromédicos sediada em Genova, a Mectron. Ali, aperfeiçoaram a tecnologia de corte micrométrico, tornando-o mais preciso e seguro. Desde seu primeiro equipamento, lançado em 2001, novas funções e aprimoramentos foram desenvolvidos. Isso inclui o controle das vibrações ultrassônicas por software e pontas de pastilhas diamantadas ou de titânio, projetadas para situações anatômicas variadas.
Como resultado prático, o cirurgião-dentista não precisa exercer tanta pressão, enquanto faz a incisão e movimenta a peça nos tecidos ósseos de forma precisa e seletiva. A ressonância provocada nos tecidos moles, em conjunto com a irrigação da solução salina para refrigeração, promove efeito antimicrobiano e uma hemostasia temporária; isso mantém a região estéril, reduz sensivelmente o sangramento e aumenta a visibilidade intraoperatória. A desvantagem do sistema fica por conta do aumento do tempo cirúrgico.
Nos últimos 30 anos, a pesquisa clínica se debruçou na eficácia de corte e resposta de cicatrização óssea após a cirurgia piezoelétrica. Estudos pós-operatórios demonstraram sua segurança ao constatar a proteção de estruturas nobres, a integridade celular nas superfícies ósseas e a redução de fenômenos inflamatórios indesejáveis, além da preservação de vitalidade em estruturas de tecidos delicados, como vasos sanguíneos, nervos, mucosas, polpa etc.
Os estudos comparativos demonstraram outra diferença significativa. As vibrações provenientes do uso de serras comuns ou brocas provocam certo grau de aquecimento, decorrente da geração do efeito de cavitação. Queimaduras, hemorragias e necroses por coagulação, especialmente em regiões mais profundas, praticamente inexistem com a piezocirurgia. A comparação com as técnicas tradicionais demonstra não apenas a perda óssea mínima, mas também um pós-operatório muito favorável e cicatrização mais rápida.
Além disso, a técnica simplificou procedimentos tanto para osteotomias corriqueiras quanto em cirurgias de grande porte. Os primeiros casos de uso referem-se a enxertos sinusais e intervenções pré-protéticas. Com o tempo, surgiram novas possibilidades de cirurgia maxilofacial, que pareciam impossíveis com qualquer outra técnica, o que praticamente resultou em uma nova disciplina baseada nas premissas da técnica – a cirurgia piezoelétrica óssea (piezoelectric bone surgery – PBS).