Com a evolução dos materiais, as coroas monolíticas integram simplicidade na confecção das restaurações, bons resultados estéticos e resistência estrutural superior.
A utilização de novos materiais cerâmicos foi um dos principais benefícios da introdução da tecnologia CAD/CAM na Odontologia. Diante das possibilidades estéticas e funcionais proporcionadas por esta nova geração de materiais, muitos profissionais passaram a se interessar pela confecção de peças monolíticas em seus trabalhos reabilitadores. Será que esse fenômeno tem potencial para marcar nossa Odontologia nos próximos anos?
Na opinião de Nathália de Carvalho Ramos, mestra e doutora em Odontologia Restauradora, a utilização da tecnologia digital como um todo tem sido um importante fator para impulsionar o uso de coroas monolíticas. “Ao usar esses sistemas, o tempo de trabalho é muito diminuído em relação ao fluxo convencional de trabalho. Então nada mais natural do que otimizar o tempo também na confecção das restaurações. Tendo um sistema CAD/CAM no consultório ou terceirizando esse serviço ao laboratório de prótese, a utilização das monolíticas exclui um tempo laboratorial enorme que seria usado para enceramento/injeção ou estratificação”, afirma.
Segundo Nathália, o uso de coroas monolíticas deve ser prioritário em todas as situações, com exceção para os casos na região anterior de alto rigor estético, como em pacientes muito jovens, com necessidades de grandes texturizações e detalhes superficiais, e bordas incisais excessivamente translúcidas. Também não é indicado em casos em que é necessário mimetizar os dentes adjacentes. Ou seja, as coroas monolíticas podem resolver todos os casos, a menos que o dentista e o técnico em prótese dentária (TPD) necessitem usar técnicas estratificadas para aumentar o desempenho estético das cerâmicas. “Estudos mostram que, quando optamos pelas monoliticas, minimizamos ou excluímos a chance de falhas entre as camadas causadas por incompatibilidade térmica, de módulos elásticos ou adesiva. A probabilidade de sobrevivência de coroas unitárias monolíticas é alta. No dissilicato de lítio, por exemplo, é de 100% após dois anos, 97,8% após cinco anos e 96,7% após dez anos1. Altas taxas de sucesso e sobrevida também são observadas para as coroas monolíticas sobre implantes, cimentadas sobre uma base de titânio (TiBase)”.
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Seguindo a mesma linha de raciocínio, João Paulo Tribst, mestre e doutor em Odontologia Restauradora, concorda que a tecnologia atual e os materiais disponibilizados comercialmente já possibilitam a realização de restaurações monolíticas associando bons resultados estéticos com uma durabilidade estrutural superior. Dessa forma, a solução torna-se uma indicação segura na maioria dos casos clínicos de reabilitação indireta, com exceção para os casos de alta demanda estética.
Ele acrescenta que a crescente preferência pelas coroas monolíticas pode ser explicada também pela tendência natural dos profissionais de buscarem soluções que otimizem o seu tempo. “Atualmente somos aptos a confeccionar restaurações monolíticas devido ao desenvolvimento dos materiais indiretos e sistemas adesivos para a Odontologia. No entanto, sempre buscamos opções simplificadas para reabilitar os pacientes. As primeiras restaurações de porcelana foram idealizadas como estruturas monolíticas, mas, devido à fragilidade estrutural, foram adaptadas para serem utilizadas sobre coping metálico e posteriormente o coping de cerâmicas policristalinas. O desenvolvimento do dissilicato de lítio foi, sem dúvida, um passo importantíssimo na direção das restaurações monolíticas feitas por injeção, mas o CAD/CAM trouxe versatilidade para que diferentes sistemas cerâmicos e estruturas complexas fossem criados, associando reprodutibilidade e praticidade com resistência adequada”.
Durabilidade
Outro fator que merece destaque é que a preocupação recorrente dos profissionais com a durabilidade das reabilitações e seu risco de trincas e lascamentos coloca as monolíticas em vantagem, em comparação às demais técnicas de confecção. “Como o conceito da monolítica é confeccionar uma restauração com um único material, os problemas gerados pela incompatibilidade entre as camadas de diferentes materiais não existem mais. Nesse sentido, as trincas e lascamentos em uma restauração monolítica são significativamente menores do que nas restaurações bi-layer metalocerâmicas, ou mesmo as ceramo-cerâmicas”, diz Tribst. “Basicamente, quando oferecemos aos nossos pacientes uma restauração monolítica, estamos oferecendo uma restauração que foi sendo desenvolvida ao longo das últimas décadas, oriunda do desenvolvimento dos materiais indiretos e cimentos resinosos, o que permitiu à Odontologia adesiva reabilitar com preparos menos invasivos e maior confiabilidade”.
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“No entanto, as fraturas e lascamentos acontecem também pelo desenvolvimento e crescimento lento das trincas que se originam de defeitos críticos nas regiões em que se concentram as tensões de tração nessas restaurações”, continua Tribst. “Essa população de defeitos é microscópica, de modo que os mesmos são incorporados no momento de manufatura pelo fabricante, na manipulação laboratorial pelo técnico em prótese e na manipulação clínica pelo dentista, sendo impossível, infelizmente, a garantia de que não existem defeitos no material. Ainda sim, controlando adequadamente os parâmetros de usinagem, ajustes, polimentos e tratamento superficial, podemos amenizar a incidência de regiões propensas a falhar e aumentar ainda mais a sobrevivência das restaurações monolíticas. Vale ressaltar também que as restaurações monolíticas apresentam seu ápice de performance quando consideramos o CAD/CAM, mas que, em determinados casos, o uso de materiais prensados poderá ser indicado, necessitando de similar esmero durante as etapas do processo da restauração”.
Nathália, por sua vez, destaca alguns estudos que resumem o que sabemos hoje sobre a durabilidade das reabilitações com coroas monolíticas em relação a trincas e lascamentos. “Revisões da literatura sistemáticas com metanálise de estudos clínicos representam o topo da evidência científica, e essas mostram que a ocorrência de falhas como trincas e lascamentos (chipping) é muito baixa quando comparadas às coroas com bicamadas2. Apesar de muitos estudos apontarem essas falhas como as mais comuns, vários não relatam essas falhas a longo prazo. O estudo de Aziz et al (2019), por exemplo, relatou uma taxa de falha de 7,7% após quatro anos de acompanhamento de coroas monolíticas de dissilicato de lítio, entretanto as falhas relatadas estavam relacionadas com a recorrência de cáries ou o rompimento da integridade marginal, não observando trincas ou lascamentos durante esse tempo3.
A escolha do material
Os principais materiais usados para a confecção de coroas monolíticas são as cerâmicas cristalinas à base de zircônia, as vitrocerâmicas, como o dissilicato de lítio, as porcelanas, como as feldspáticas e leucíticas, ou as cerâmicas híbridas, com algum conteúdo resinoso, conforme explica Nathália. “A relação estética e o comportamento funcional entre elas são, genericamente falando, inversamente proporcionais. A zircônia possui um excelente comportamento mecânico, mas uma capacidade estética inferior às cerâmicas vítreas, por exemplo. De forma geral, as vitrocerâmicas possuem uma excelente relação entre sua estética e seu comportamento funcional, tendo uma indicação bastante ampla”.
Entretanto, acrescenta Nathália, possuímos uma vasta lista de materiais cerâmicos no mercado, com propriedades específicas que podem ser muito importantes para um determinado caso clínico. “Cerâmicas híbridas, por exemplo, possuem um comportamento biomecânico excelente por possuírem módulo elástico semelhante à dentina e menor capacidade de desgaste do dente antagonista. São muito estéticas, entretanto, são inferiores em relação a uma cerâmica totalmente vítrea. Além disso, temos hoje no mercado as zircônias de alta translucidez, que também têm mostrado um excelente desempenho estético, mas com resistência mecânica um pouco mais baixa. Ou seja, a quantidade de materiais é imensa e torna-se impossível determinar quais são melhores ou piores sem considerar as especificidades do caso clínico a ser reabilitado. Assim, sabendo que possuímos excelentes materiais, o cirurgião-dentista deve ser criterioso na seleção do material cerâmico para explorar suas propriedades da melhor forma”.
A importância da maquiagem
Tribst explica que, para materiais indiretos com maior temperatura de fusão, a maquiagem é um material vítreo semelhante a uma porcelana de baixa fusão. Esse material, encontrado como pasta ou líquido denso, é aplicado com pincel e requer o entendimento visual prévio das características ópticas da estrutura 3D que está sendo maquiada, uma vez que somente após a queima da maquiagem (em forno cerâmico) esse material irá apresentar suas características estéticas finais. Em alguns casos, a maquiagem é aplicada em várias etapas até que seja alcançada uma estética satisfatória.
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A camada de glaze, indicado para recobrir a cerâmica maquiada, é muito semelhante à estrutura da maquiagem, porém sem a presença dos pigmentos. Além de promover brilho, a presença do glaze ajuda na proteção da camada de maquiagem, uma vez que ela encontra-se superficial ao material da restauração e pode sofrer desgaste com o passar do tempo. Em termos de durabilidade da maquiagem, Tribst acrescenta: “De modo simplificado, quanto maior a presença de sílica no interior da matriz do material restaurador, maior será sua compatibilidade química com essa camada extrínseca e, consequentemente, maior será sua durabilidade na superfície da restauração. Chamamos atenção então para a maquiagem aplicada sobre as restaurações de zircônia em zonas de muito atrito como as superfícies oclusais. Ainda assim, mesmo em materiais totalmente policristalinos, a previsão de durabilidade da maquiagem supera as expectativas de uso em boca”.
Para os materiais monolíticos híbridos ou poliméricos, em que o ponto de fusão é extremamente baixo, a indicação é utilizar uma camada de maquiagem fotopolimerizável para caracterizar a restauração. Esse tipo de maquiagem é menos durável e pode ter sua adesão influenciada pelo tratamento superficial realizado antes de sua aplicação. “Por utilizar apenas um fotopolimerizador para sua fixação, existe a possibilidade de reaplicação em boca, quando necessário. No entanto, não existem relatos, até o momento, sobre a facilidade e viabilidade desse procedimento clínico”, acrescenta o professor.
Segundo Nathália, os estudos que simulam o desgaste em boca mostram que as maquiagens fotoativadas são desgastadas nos primeiros meses de uso (cerca de seis meses), o que é um tempo de vida extremamente curto, mas essa forma de maquiagem permite a reaplicação da maquiagem em boca quantas vezes forem necessárias. “Já as maquiagens convencionais têm um tempo estimado de 2,5 anos em boca, sendo a cerâmica feldspática a que permanece com a maquiagem na superfície por maior tempo, quando comparada à vitrocerâmica (silicato de lítio) e à zircônia de alta translucidez (HT). É importante reforçar também que o glaze sempre deve ser aplicado após a maquiagem, pois ele age como uma camada protetiva, retardando o desgaste de duas a quatro vezes4”.
Considerando os prós e os contras, Tribst avalia a importância e o impacto do processo de maquiagem. “Primeiramente, nem sempre a opção terapêutica com restaurações monolíticas irá necessitar obrigatoriamente de maquiagem superficial, sendo o polimento e o glaze opções que também devem ser consideradas para finalizar a restauração. O tempo de trabalho no laboratório é aumentado à medida que mais queimas de maquiagem são necessárias, e o número de queimas acaba por ser proporcional à complexidade do caso e à experiência do técnico. Os fornos cerâmicos usados na cristalização de cerâmicas vítreas com reforço são aptos para serem utilizados na sinterização da camada de maquiagem, mas os parâmetros de queima (ou programas) são únicos e devem ser ajustados conforme a indicação do fabricante sempre que necessário. No geral, aplicar a maquiagem acaba gerando um custo laboratorial não tanto pelo material (que rende bastante), mas pelo tempo de aplicação e necessidade de queimas no forno cerâmico. Nesse sentido, saber quando indicar esse procedimento é importante tanto para agilizar a entrega da restauração para o paciente quanto para aumentar a produção do laboratório”.
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“Por fim, a conveniência para o paciente será dependente de sua expectativa final. Um sulco central escurecido na superfície oclusal de um molar pode ser lindo para a grande maioria dos leitores, mas para alguns pacientes pode ser um detalhe indiferente ou mesmo desagradável. Ainda assim, em casos de alta demanda estética, a maquiagem é mandatória para se alcançar um biomimetismo eficiente, sendo assim uma etapa laboratorial ou clínica tão importante quanto qualquer outra. Em filosofias de trabalho chairside, a etapa de maquiagem pode ser aplicada pelo próprio cirurgião-dentista, de modo que essa modalidade de trabalho acaba por ser um diferencial”.
A comunicação com o laboratório
Avaliando a adoção das coroas monolíticas em sua rotina, Nathália lembra da importância da boa comunicação com o laboratório para o sucesso do tratamento e a qualidade do resultado final. “A indicação de coroas monolíticas é uma realidade. O tempo de trabalho é inferior ao necessário para a confecção de restaurações em bicamadas, pois eliminamos, no mínimo, uma sessão clínica da prova da estrutura (coping). Os laboratórios de próteses estão extremamente habituados com essas técnicas e conseguem realizar trabalhos de alto desempenho estético com baixíssimos custos. O que vai determinar que o técnico consiga esse excelente resultado é a quantidade de informações e referências que o cirurgião-dentista repassa ao técnico. Para isso, é necessário enviar uma boa documentação fotográfica, incluindo fotos com as referências de escala de cor e fotos em preto e branco”
Referências
1. Pieger S, Salman A, Bidra AS. Clinical outcomes of lithium disilicate single crowns and partial fixed dental prostheses: a systematic review. J Prosthet Dent. Dent 2014;112(1):22-30.
2. Sailer I, Makarov NA, Thoma DS, Zwahlen M, Pjetursson BE. All-ceramic or metal-ceramic tooth-supported fixed dental prostheses (FDPs)? A systematic review of the survival and complication rates. Part I: single crowns (SCs). Dent Mater 2015;31(6):603-23.
3. Aziz A, El-Mowafy O, Tenenbaum HC, Lawrence HP, Shokati B. Clinical performance of chairside monolithic lithium disilicate glass-ceramic CAD-CAM crowns. J Esthet Restor Dent 2019;31(6):613-9.
4. Dal Piva AMO, Tribst JPM, Werner A, Anami LC, Bottino MA, Kleverlaan CJ. Three-body wear effect on different CAD/CAM ceramics staining durability. J Mech Behav Biomed Mater 2020;103:103579.
Nathália de Carvalho Ramos
Mestra e doutora em Odontologia Restauradora – ICT/Unesp; Doutorado sanduíche – New York University/EUA; Pós-doutora no Depto. de Materiais Odontológicos e Prótese; Professora do curso de Odontologia – USF.
João Paulo Tribst
Mestre e doutor em Odontologia Restauradora – Prótese Dentária – ICT/Unesp. Doutorado sanduíche na ACTA (Academisch Centrum Tandheelkunde Amsterdam) e Escola de Odontologia da Vrije Universiteit, na Holanda.