You are currently viewing Urgência odontológica em paciente com comprometimento sistêmico

Urgência odontológica em paciente com comprometimento sistêmico

Comprometimento sistêmico: Eduardo Dias de Andrade apresenta tratamento de paciente diabética tipo II, hipertensa e acometida de infarto agudo do miocárdio há dois anos.

Apresentação do caso clínico

Paciente do sexo feminino, com 62 anos de idade e pesando 60 kg, apresentou-se com queixa de dor latejante na região posterior esquerda da mandíbula, com início há dois dias, não aliviada pelo uso de analgésicos. No exame físico, foi constatado aumento de volume tecidual na junção mucogengival do elemento 36 associado à perda de inserção, com dor à palpação e ausência de fístula. O grau de abertura bucal estava normal e não houve constatação de linfadenite submandibular. O envolvimento endodôntico foi descartado após teste térmico positivo de vitalidade pulpar, percussão vertical negativa e exame radiográfico, confirmando o diagnóstico de abscesso periodontal localizado.

História médica

Paciente diabética tipo II, hipertensa, acometida de infarto agudo do miocárdio (IAM) há dois anos, sendo tratada por meio de angioplastia coronária e colocação de um stent. Relatou estar sob controle médico regular e negou qualquer complicação recente. Apresentou o resultado de um exame recente da hemoglobina glicada (6%), com nível médio de glicemia estimado em 115 mg/mL. Faz uso contínuo de metformina, atenolol, hidroclorotiazida, aspirina e clopidogrel. Negou alergia às penicilinas e a outros medicamentos. Sinais vitais: pressão arterial 130 x 80 mmHg; frequência cardíaca de 80 bpm; respiração regular e temperatura axilar de 36,2°C.

Tratamento

Foi administrado um comprimido de alprazolam 0,5 mg e 2 g de amoxicilina (quatro cápsulas com 500 mg). Após 30 minutos, procedeu-se a antissepsia extrabucal com solução aquosa de digluconato de clorexidina a 2%, e intrabucal por meio de bochecho com 15 ml de uma solução aquosa de digluconato de clorexidina 0,12% durante um minuto.

Após aplicação tópica de benzocaína 20% na forma de gel, a anestesia local foi obtida pela infiltração de uma solução de articaína 4% com epinefrina 1:100.000 nas papilas mesial e distal do dente 36, até se obter a isquemia tecidual do local. Em seguida, uma sonda periodontal foi introduzida no sulco gengival até encontrar a abertura da bolsa periodontal, propiciando a saída de um pequeno volume de exsudato purulento e secreção sanguinolenta. O processo de drenagem foi concluído com uma discreta pressão digital sobre o abscesso. Depois, foi realizada a irrigação da bolsa periodontal com soro fisiológico, sem muita pressão, para eliminar possíveis corpos estranhos.

A paciente recebeu 1 g de dipirona (40 gotas da solução oral) ao ser dispensada e a prescrição de 500 mg de dipirona a cada quatro horas, em caso de dor, e bochechos com solução aquosa de digluconato de clorexidina 0,12% durante um minuto, a cada 12 horas, após escovação dentária cuidadosa.

A evolução do quadro foi acompanhada diariamente por meio de contato telefônico, sem apresentar complicações. Na consulta de retorno após três dias, com a paciente já assintomática, teve início o tratamento definitivo para o restabelecimento da saúde periodontal.

Comentários

Trata-se de um caso de abscesso periodontal localizado (circunscrito), sem apresentar sinais locais de disseminação ou manifestações sistêmicas do processo infeccioso. O tratamento básico consistiu na descontaminação do local por meio da drenagem do abscesso via sulco gengival, sem necessidade de incisão cirúrgica com bisturi. O procedimento seria de simples execução, não fossem os problemas de ordem sistêmica que a paciente apresentava.

Seu histórico de diabetes tipo II (não insulinodependente) não foi motivo de maior preocupação, pois a glicemia dos últimos três meses estava sob controle, com base na dosagem recente da hemoglobina glicada. Além disso, a paciente relatou ser hipertensa e ter sido acometida de um IAM há dois anos, estando desde então sob acompanhamento médico regular sem apresentar complicações recentes. Assim, a paciente foi classificada como ASA II, de acordo com o sistema ASA (American Society of Anesthesiologists) adaptado para a Periodontia1.

Além da metformina (hipoglicemiante oral) e das drogas anti-hipertensivas (um betabloqueador seletivo e um diurético) tomadas regularmente, a paciente também fazia uso contínuo de dois antiagregantes plaquetários: a aspirina e o clopidogrel. A recomendação atual é de que tais medicamentos não devem ser descontinuados, pois o risco de uma complicação tromboembólica é muito mais significativo se comparado ao aumento do sangramento transoperatório, que pode ser contido com simples medidas hemostáticas locais2.

Sabe-se também que, decorridos dois anos, a implantação de stents após angioplastia coronária não constitui uma condição de risco para a endocardite bacteriana3. Porém, por se tratar de um atendimento de urgência, não foi possível obter informações médicas sobre possíveis comorbidades do sistema cardiovascular. Assim, por precaução, optou-se pela administração de uma dose única profilática de amoxicilina 2 g, de acordo com a recomendação da American Heart Association4.

Por estar acompanhada de um adulto, responsável pela direção de veículo próprio, optou-se pela sedação mínima com um benzodiazepínico. A escolha do alprazolam se deve ao fato deste benzodiazepínico reduzir significativamente as concentrações plasmáticas de epinefrina e norepinefrina, e a pressão arterial média, por suprimir a atividade das adrenais, além de atenuar as respostas à epinefrina endógena durante a carga emocional5.

Referências

  1. Maloney WJ, Weinberg MA. Implementation of the American Society of Anesthesiologists Physical Status classification system in periodontal practice. J Periodontol 2008;79(7):1124-6.
  2. Lillis T, Ziakas A, Koskinas K, Tsirlis A, Giannoglou G. Safety of dental extractions during uninterrupted single or dual antiplatelet treatment. Am J Cardiol 2011;108(7):964-7.
  3. Roberts HW, Redding SW. Coronary artery stents: review and patientmanagement recommendations. J Am Dent Assoc 2000;131(6):797-801.
  4. Andrade ED, Volpato MC. Parte III – anestesia local e uso de medicamentos no atendimento de pacientes que requerem cuidados adicionais: portadores de doenças cardiovasculares. In: Andrade ED. Terapêutica medicamentosa em Odontologia (3a ed.). São Paulo: Artes Médicas, 2014. p.175-91.
  5. van den Berg F, Tulen JH, Boomsma F, Noten JB, Moleman P, Pepplinkhuizen L. Effects of alprazolam and lorazepam on catecholaminergic and cardiovascular activity during supine rest, mental load and orthostatic challenge. Psychopharmacology (Berl) 1996;128(1):21-30.