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Três questões sobre o uso de biomateriais

Sérgio Scombatti analisa a necessidade de membranas, possibilidade de aumento de neoformação óssea e qualidade dos biomateriais.

  1. Membranas são realmente necessárias para a regeneração óssea?
    O princípio biológico da técnica de regeneração tecidual guiada (RTG) foi definido como a utilização de barreiras físicas para evitar que as células indesejáveis (epiteliais e do conjuntivo gengival) entrem em contato com a superfície radicular durante o processo de cicatrização1. Posteriormente, este conceito foi expandido para a área de Implantodontia, recebendo a denominação de regeneração óssea guiada (ROG), que segue o mesmo princípio biológico da técnica de RTG. Seu objetivo principal é direcionar a neoformação óssea através de uma membrana, que atuará como barreira para proteger o coágulo sanguíneo, e possibilitar a criação de um espaço isolado em torno dos defeitos ósseos, evitando que células do tecido conjuntivo proliferem rapidamente, ocupando o espaço destinado ao preenchimento ósseo2-4.

    Sendo assim, a ROG só é alcançada quando as células osteoprogenitoras são as únicas que repovoam o local do defeito ósseo, impedindo a entrada de tecidos não osteogênicos5-6. Dessa forma, ela é reconhecida como um método efetivo e previsível para garantir a formação óssea. De fato, a criação e manutenção de espaço, com a exclusão de células indesejáveis, é um dos quatro pilares da regeneração óssea guiada, conforme descrito por Wang et al, em 2006. Desse modo, a resposta para essa primeira questão é “sim”. Para obter resultados previsíveis de ROG, existe a necessidade de usar uma membrana que seja uma barreira oclusiva às células indesejáveis (epiteliais e do tecido conjuntivo).

  2. Substitutos ósseos sob a membrana aumentam a neoformação óssea?
    Os substitutos ósseos presentes atualmente no mercado são apenas osteocondutores, ou seja, são biomateriais que servem como arcabouço, sustentando uma estrutura na qual proliferam vasos sanguíneos, servindo como molde para a formação óssea. Seria ideal que tivéssemos à disposição materiais osteoindutores, com a capacidade de atrair células mesenquimais ósseas e realizar a indução bioquímica para que se transformem em osteoblastos e passem a produzir osso. Sabe-se que as BMPs (proteínas morfogenéticas ósseas) são comprovadamente osteoindutoras e estão presentes em biomaterial disponível fora do Brasil (Infuse), mas que têm alto custo e apresentam a possibilidade de algumas reações indesejáveis pós-operatórias, não sendo, portanto, de uso prático ou rotineiro em clínica.

    Assim, o que temos cotidianamente disponível são substitutos ósseos osteocondutores de origem xenógena (espécie diferente da humana como, bovinos ou suínos) e aloplástica (sintética). O potencial biológico para a regeneração do defeito depende basicamente das características desse defeito (tamanho, forma, número de paredes remanescentes, perda óssea horizontal ou vertical etc.), bem como da correta técnica utilizada (retalho adequado, manipulação óssea correta, uso de barreira indicada para o caso, cuidados pré e pós-operatórios etc.).

    Pode-se dizer que, em teoria, o uso de um substituto ósseo osteocondutor não vai ser um condicionante direto no resultado. Entretanto, em grande parte dos casos, para a criação de um correto arcabouço que permita a regeneração óssea, é necessário usar um substituto ósseo sob a membrana para evitar o colapso dessas estruturas sobre o defeito: o substituto ósseo irá proporcionar a manutenção do espaço sob a barreira. Além disso, atualmente, este substituto ósseo osteocondutor tem sido funcionalizado com o uso de substâncias que aumentam seu potencial biológico na regeneração óssea, como os agregados plaquetários i-PRF e L-PRF. Desse modo, a resposta para essa pergunta é “não” e “sim”. Em teoria, um biomaterial osteocondutor, por si só, não agrega potencial regenerativo à loja óssea, mas, na prática, seu uso é necessário, na maioria das vezes, para a correta realização da técnica.

  3. Biomateriais mais caros têm melhor qualidade?
    A escolha de um biomaterial para uso em clínica passa por diversos fatores, inclusive seu custo. Entretanto, este fator não deve ser o determinante dessa escolha. Existe uma grande oferta de produtos no mercado, importados e nacionais, de tecnologias diferentes, manufaturas diversas e origens distintas. Tudo isso pode impactar o preço, mas não necessariamente a qualidade. É importante sempre ter em mente que a escolha do biomaterial ocorre em função do caso. Para isso, é preciso conhecer as características de cada biomaterial, seu potencial biológico em cada situação clínica, bem como dominar a técnica cirúrgica necessária para seu uso. Em outras palavras, para usar um biomaterial é preciso saber usar este biomaterial. Pode parecer óbvio falar isso, mas infelizmente tenho visto situações em que biomateriais são utilizados sem critério correto – a cirurgia fracassa e o dentista diz que aquele material não funciona.

    Por outro lado, vivemos atualmente um momento muito interessante no mercado nacional, com a oferta de biomateriais de qualidade tanto de empresas internacionais quanto nacionais. Nesse aspecto, a recomendação básica é de que a indicação do material seja baseada na literatura científica. A partir daí, podem existir diferentes faixas de preço para a classe de biomateriais indicada à situação clínica, cabendo ao dentista selecionar a que melhor se enquadra em termos de custo-benefício ao paciente. Assim, a resposta para esta questão é “não”. O preço de um biomaterial não é um indicativo direto de sua qualidade.

    Então, a recomendação para todos os que me procuram com dúvidas sobre o assunto é que este é um tópico muito dinâmico na Periodontia e na Implantodontia. Há necessidade de se manter permanentemente atualizado por meio de muito estudo, leitura de livros e artigos, cursos e treinamentos com profissionais capacitados, participar de congressos e palestras, bem como tirar dúvidas e trocar experiências com professores e profissionais reconhecidos. O conhecimento científico é o pilar que deve sempre guiar a escolha e o correto uso clínico dos biomateriais.

Referências:

1-GOTTLOW, J.; NYMAN, S.; KARRING, T.; LINDHE, J. New attachment formation as the result of controlled tissue regeneration. J Clin Periodontol, 11, n. 8, p. 494-503, Sep 1984
2-ASLAN, M.; SIMSEK, G.; DAYI, E. Guided bone regeneration (GBR) on healing bone defects: a histological study in rabbits. J Contemp Dent Pract, 5, n. 2, p. 114-123, May 15 2004
3-BUSER, D.; BRAGGER, U.; LANG, N. P.; NYMAN, S. Regeneration and enlargement of jaw bone using guided tissue regeneration. Clin Oral Implants Res, 1, n. 1, p. 22-32, Dec 1990
4-NEVINS, M.; MELLONIG, J. T. Enhancement of the damaged edentulous ridge to receive dental implants: a combination of allograft and the GORE-TEX membrane. Int J Periodontics Restorative Dent, 12, n. 2, p. 96-111, 1992
5-DIMITRIOU, R.; MATALIOTAKIS, G. I.; CALORI, G. M.; GIANNOUDIS, P. V. The role of barrier membranes for guided bone regeneration and restoration of large bone defects: current experimental and clinical evidence. BMC Med, 10, p. 81, Jul 26 2012
6-RETZEPI, M.; DONOS, N. Guided Bone Regeneration: biological principle and therapeutic applications. Clin Oral Implants Res, 21, n. 6, p. 567-576, Jun 2010
7-WANG, H-L; BOYAPATI L.”PASS” principles for predictable bone regeneration. Implant Dent, Mar;15(1):8-17 2006.