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Regeneração tecidual guiada e tabagismo

Sérgio Scombatti debate a influência da cessação do tabagismo nos resultados clínicos da regeneração tecidual guiada.

O hábito de fumar é um dos maiores problemas de saúde pública no mundo. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca de 8,7 milhões de pessoas morrem todo ano prematuramente de causas diversas relacionadas ao hábito de fumar. Embora venha caindo no Brasil (era de 23% há cerca de 20 anos), a porcentagem de fumantes em nosso País ainda é de 12,8%, segundo dados da OMS de 2020, o que representa mais de 27 milhões de pessoas, se tomarmos como base a população verificada no último censo.

O tabagismo é um importante fator de risco para a doença periodontal. Uma revisão da literatura descreveu o tabagismo como o mais forte dos fatores de risco modificáveis para a doença, superado apenas pelo biofilme bacteriano1. Há um aumento de duas a oito vezes no risco de perda de inserção periodontal e/ou perda óssea, dependendo da definição de gravidade da doença e da quantidade de cigarros por dia1. Aliás, este é um parâmetro importante a ser considerado em se tratando de pacientes fumantes: a dose de substâncias tóxicas consumidas. Geralmente, a literatura considera fumantes pesados (o termo utilizado em inglês é “heavy smokers”) aqueles que consomem dez ou mais cigarros por dia.

Fumar também influencia a resposta ao tratamento periodontal. A maioria dos estudos clínicos mostrou maiores reduções em profundidades de sondagem e sangramento à sondagem, bem como ganhos significativamente maiores de inserção clínica, tanto em terapia cirúrgica quanto não cirúrgica em pacientes não fumantes, quando comparados aos fumantes2.

Em relação às terapias regenerativas com o uso de biomateriais em Periodontia, há evidências de que o tabagismo pode afetar negativamente os resultados do tratamento. Uma revisão sistemática indicou que fumar tem um efeito negativo na regeneração óssea: seis dos dez estudos incluídos na revisão concluíram que fumar influenciou significativamente, de forma negativa, o ganho ósseo ou o preenchimento ósseo em defeitos periodontais após cirurgia regenerativa3.

Um estudo, analisando os resultados de regeneração tecidual guiada de defeitos intraósseos com membrana de teflon, mostrou um maior ganho de inserção clínica (5,2 mm) para não fumantes em comparação com fumantes (2,1 mm), em um período de acompanhamento de um ano. Além disso, os autores observaram níveis consistentemente mais elevados de biofilme em fumantes em comparação com os não fumantes, o que também influenciou os resultados clínicos4. Outro trabalho, avaliando o uso de uma membrana absorvível em defeitos intraósseos, relatou uma neoformação óssea média de 0,2 mm em fumantes em contraste com 2,2 mm em não fumantes5.

Assim, o paciente fumante deve sempre ser orientado, desde a primeira visita ao consultório, sobre os malefícios do hábito de fumar à cavidade bucal como um todo. Em relação à Periodontia, deve-se explicar as menores taxas de sucesso de terapias não cirúrgicas e cirúrgicas em pacientes fumantes, para que ele tome ciência das limitações inerentes ao seu caso, em decorrência do tabagismo.

Isso é ainda mais crítico quando o planejamento envolve biomateriais e terapias regenerativas, pois há a necessidade de uma resposta biológica favorável do organismo para que o uso de membranas, de substitutos ósseos, muitas vezes com um alto valor monetário que irá encarecer o procedimento, possa ser justificado. Principalmente em fumantes pesados, deve-se considerar se há terapia ressectiva alternativa para o caso, pois o tratamento regenerativo trará riscos maiores de insucesso ou de resultados pobres em termos de neoformação tecidual. Além disso, em qualquer caso, estes indivíduos sempre necessitarão de uma terapia de suporte com intervalos e procedimentos que considerem o alto risco periodontal que o hábito de fumar agrega ao paciente.

Finalmente, como profissionais de saúde, devemos estimular o paciente tabagista à cessação do hábito de fumar, mostrando a ele os benefícios desta mudança à cavidade bucal.  Particularmente em Periodontia, duas revisões sistemáticas avaliaram a influência da cessação do tabagismo nos resultados clínicos do tratamento periodontal não cirúrgico e relataram que parar de fumar traz benefícios em relação à profundidade da sondagem e ao nível de inserção clínica6-7. Outra revisão sistemática mostrou que os riscos de incidência e progressão da periodontite podem ser revertidos após a cessação do tabagismo para os mesmos níveis dos pacientes que nunca fumaram8. Este resultado mostra que, embora bastante difícil de ser alcançado, o principal objetivo conjunto de cirurgião-dentista/paciente deve ser a cessação do hábito de fumar, para que futuros tratamentos sejam realizados com possibilidade de sucesso semelhante à de pacientes que nunca fumaram.

Referências

  1. Johnson GK, Guthmiller JM. The impact of cigarette smoking on periodontal disease and treatment. Periodontol 2000 2007;44:178-94.
  2. Heasman L, Stacey F, Preshaw PM, McCracken GI, Hepburn S, Heasman PA. The effect of smoking on periodontal treatment response: a review of clinical evidence. J Clin Periodontol 2006;33(4):241-53.
  3. Rupal A, Patel R, Wilson F, Palmer RM. The effect of smoking on periodontal bone regeneration: a systematic review and meta-analysis. J Periodontol 2012;83(2):143-55.
  4. Tonetti MS, Pini Prato G, Cortellini P. Effect of cigarette smoking on periodontal healing following GTR in infrabony defects. A preliminary retrospective study. J Clin Periodontol 1995;22(3):229-34.
  5. Ehmke B, Rüdiger SG, Hommens A, Karch H, Flemmig TF. Guided tissue regeneration using a polylactic acid barrier. J Clin Periodontol 2003;30(4):368-74.
  6. Chambrone L, Preshaw PM, Rosa EF. Effects of smoking cessation on the outcomes of non-surgical periodontal therapy: a systematic review and individual patient data meta-analysis. J Clin Periodontol 2013;40(6):607-15.
  7. Fiorini T, Musskopf ML, Oppermann RV. Is there a positive effect of smoking cessation on periodontal health? A systematic review. J. Periodontol 2014;85(1):83-91.
  8. Leite FM, Nascimento GG, Baake S, Pedersen LD, Scheutz F, Lopez R. Impact of smoking cessation on periodontitis: a systematic review and meta-analysis of prospective longitudinal observational and interventional studies. Nicotine Tob Res 2018;21(12):1600-08.