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O que aprendemos até agora com a pandemia?

Victor Montalli enfatiza a importância da manutenção da biossegurança no ambiente odontológico mesmo após a pandemia.

Tem sido um longo ano de 2020 para todos nós. E não estou falando apenas das mudanças na rotina e dos impactos em nossos negócios provocados pela pandemia. Um dos processos mais estressantes dos últimos meses é o fluxo intenso de informações em meio ao cenário de incertezas. Por isso, procurei reunir aqui alguns pontos que aprendemos até agora com a doença causada pelo vírus SARS-CoV-2, a Covid-19.

Até o início de dezembro de 2020, eram mais de 60 milhões de casos confirmados, com mais de 1,4 milhão de vidas perdidas em todo o mundo. Compreender a modalidade de transmissão é essencial para implementar medidas de saúde eficazes e proteger os profissionais de saúde.

Aprendemos que o surto começou em Wuhan, na China, com transmissão de animal para humano, seguido por transmissões sustentadas de humano para humano. Trata-se de uma doença altamente transmissível pela via direta, através da exposição de mucosas (boca e nariz) ou conjuntiva (olhos) ao contato direto ou indireto de gotículas respiratórias dispersas no ar.

A transmissão aérea entre indivíduos assintomáticos pode estar associada à natureza pandêmica da doença e ao evento de disseminação super-rápida. Alguns relatos de surtos durante a participação em coral, em viagem de avião, em restaurantes ou em academias de ginástica sugeriram a possibilidade de transmissão por aerossol, como em espaços lotados e ventilados de forma inadequada. Apesar da detecção de RNA em amostras ambientais baseado em PCR não ser indicativo de vírus viável que poderia ser transmissível, os resultados dos estudos sugerem que a transmissão do vírus SARS-CoV-2 pelo ar acontece com maior frequência em espaços confinados e quando há desrespeito ao distanciamento social.

Aprendemos em estudos recentes que, em amostras de saliva de pacientes com Covid-19, o vírus SARS-CoV-2 foi encontrado na saliva de mais de 90% dos indivíduos infectados1, destacando o cuidado redobrado em biossegurança para os profissionais da Odontologia. Também aprendemos que várias células humanas, inclusive as das glândulas salivares, são infectadas pelo vírus por meio da enzima conversora da angiotensina 2 (ECA2), que funciona como um receptor para o novo coronavírus.

Nessa pandemia foi possível aprender que, dentre as diferentes categorias de trabalho, o cirurgião-dentista é um dos profissionais com maior risco de possível contágio do vírus através da cavidade oral e do trato respiratório do paciente. O contato próximo da boca do paciente claramente desempenha um papel fundamental na exposição a secreções infectadas, como saliva e secreções respiratórias. Além disso, o risco pode aumentar significativamente por várias intervenções odontológicas realizadas com instrumentos que giram, vibram ou expelem ar comprimido. Esses procedimentos podem espalhar o vírus em aerossóis, em conjunto com a possível emissão durante a respiração, fala, espirro e tosse.

Uma nuvem de aerossol de material particulado e fluido geralmente é visível durante o uso de instrumentos rotatórios e ultrassom, por exemplo. Cada um desses instrumentos remove material do local operatório, que se torna aerossolizado pela ação do instrumento rotatório, vibrações ultrassônicas ou pela ação combinada de borrifos de água e ar comprimido pela seringa tríplice.

Apesar da ausência real de dados sobre a propagação do vírus SARS-CoV-2 em consultórios odontológicos, publicações recentes2 de hospitais confirmam a contaminação da superfície e fornecem evidências iniciais de que o vírus pode ser detectado no ar, principalmente em áreas onde os procedimentos com geração de aerossol são realizados. Dessa forma, aprendemos a importância de prevenir ou reduzir aerossóis microbianos no consultório odontológico, a fim de evitar contaminação cruzada e garantir um ambiente de trabalho seguro. Apesar da ciência demonstrar o alto risco de contaminação em ambiente odontológico, no Brasil, um levantamento realizado pelo CFO em julho revelou que os dentistas tiveram o menor índice de infectados entre todos os profissionais da área da saúde.

A Odontologia se adaptou à nova realidade. Medidas de biossegurança foram atualizadas e o cuidado em ambiente clínico aumentou. Hoje, entramos em contato com os pacientes antes de irem ao consultório, com o intuito de identificar algum sintoma que impeça o atendimento naquele momento. O paciente também deve ser questionado se está sofrendo de sintomas semelhantes aos da gripe, mialgia, tosse improdutiva ou diarreia.

Aprendemos que medidas simples como essa, de identificação de possíveis sintomas, diminuem o risco de contaminação e trazem segurança para o paciente e para a equipe. Repensamos os fluxos dos nossos consultórios, desde a recepção até a limpeza terminal. Investimos em novos equipamentos de proteção individual e nos adaptamos ao uso rotineiro dos respiradores tipo PFF-2, óculos de proteção e face shield.

Em poucos meses, aprendemos muito e, ao que tudo indica, aprenderemos muito mais. Até o momento, não sabemos ao certo como os pacientes infectados irão reagir a longo prazo. Ainda não sabemos o suficiente sobre o risco de reinfecção. Não sabemos quando essa fase vai passar ou se o mundo em que vivíamos antes de março de 2020 será diferente a partir de agora.

Nesse momento, a esperança do mundo está nas vacinas desenvolvidas em diferentes laboratórios em todo o mundo. Porém, essa esperança precisa estar acompanhada de prudência. Quando a vacina for liberada, não só estaremos automaticamente livres do vírus, mas também continuaremos suscetíveis a tanto outros vírus, fungos e bactérias a que somos expostos diariamente. Portanto, devemos enfatizar a manutenção da biossegurança no ambiente odontológico. A associação de medidas preventivas individuais (uso de EPIs) e do ambiente deve ser mantida para que a nossa profissão se mantenha forte, oferecendo segurança e qualidade de vida aos nossos pacientes.

Referências

1. To KK-W, Tsang OT-Y, Leung W-S, Tam AR, Wu T-C, Lung DC et al. Temporal profiles of viral load in posterior oropharyngeal saliva samples and serum antibody responses during infection by SARS-CoV-2: an observational cohort study. Lancet Infect Dis 2020;20(5):565-74.
2. Li R, Pei S, Chen B, Song Y, Zhang T, Yang W et al. Substantial undocumented infection facilitates the rapid disseination of novel coronavirus (covid-19). Science 2020;368(6490):489-93.