Recessões gengivais em incisivos inferiores: caso clínico apresenta características anatômicas que tornam seu planejamento cirúrgico complexo.
As recessões gengivais (RG) são descritas como o deslocamento apical da margem gengival, levando à exposição da superfície radicular1, e podem causar uma série de complicações, como hipersensibilidade dentinária, cárie radicular e insatisfação estética2. Embora diversos fatores etiológicos para RG tenham sido descritos na literatura, sua etiologia não é totalmente compreendida, e não há evidência de que um único fator seja isoladamente responsável pela sua ocorrência.
Em pacientes tratados ortodonticamente, a prevalência, gravidade e extensão das recessões foram relatadas como maiores do que em pacientes não tratados3-4. Nesse cenário, os incisivos inferiores mostraram-se ainda mais suscetíveis ao desenvolvimento de RG5. Contenções fixas na lingual dos dentes anteriores são frequentemente usadas para estabilização dos resultados6-7, com o intuito de evitar a recidiva e o apinhamento dos incisivos inferiores. Esse tipo de contenção aumenta o acúmulo de placa, cálculo e pode provocar inflamação gengival na região7-8.
Estudos retrospectivos indicam que o tratamento ortodôntico e o uso de contenções fixas por si só não aumentam o risco de RG5,9-10. No entanto, o fenótipo periodontal, a direção do movimento ortodôntico e o tipo de contenção instalada após o tratamento são fatores importantes que devem ser considerados na condução do tratamento1,4,11-12.
A fim de facilitar a higienização interdental, a contenção higiênica foi idealizada para permitir a utilização do fio dental6,13. No entanto, estudos recentes mostram que essas contenções promovem maior acúmulo de placa e cálculo, e, consequentemente, causam maior inflamação gengival. Esse acúmulo pode ser atribuído à maior extensão do fio e maior contato com a superfície dentária, pelos pontos de fixação em todos os dentes do segmento anterior14. Além disso, quando não há acompanhamento e manutenção periódica desse tipo de contenção, há diversos relatos de falhas15 e efeitos adversos, como movimento dentário localizado, mudanças de torque e também recessões gengivais15-17.
É importante avaliar a necessidade e o momento da abordagem cirúrgica para aumento de tecidos moles e prevenção ou tratamento de recessões gengivais em pacientes com fenótipo periodontal fino, quando uma mudança na inclinação dos incisivos inferiores é prevista no tratamento ortodôntico. Apesar da experiência clínica de que o aumento dos tecidos moles antes do tratamento ortodôntico seja uma opção viável em pacientes considerados de risco, esta abordagem não é baseada em evidências científicas robustas. Esse aumento pode, portanto, ser realizado antes ou após a intervenção ortodôntica, com resultados positivos em ambas as situações1,18-19.
Uma vez observados tais efeitos adversos, uma abordagem multidisciplinar (ortodôntica + periodontal) pode ser necessária para a resolução dos casos. O tratamento das recessões em pacientes pós-ortodônticos deve incluir a eliminação de forças indesejadas, que afetem a posição dos dentes e o controle do biofilme e da inflamação. A remoção da contenção lingual e, quando possível, a correção ortodôntica do posicionamento dental antes do procedimento cirúrgico apresentam melhora significativa na redução da profundidade das recessões, em comparação com os casos nos quais a contenção é mantida17,20-21 (Figuras 1). Ferramentas digitais e exames complementares, como a tomografia computadorizada, podem ser úteis no planejamento desses casos complexos (Figuras 2).
O referido caso apresenta características anatômicas que tornam seu planejamento cirúrgico complexo. Podemos destacar a presença do fenótipo fino, falta de tecido queratinizado, presença de inserções musculares, vestíbulo raso, papilas finas e perda de tecido interproximal22 (Figuras 3 e 4). Após avaliação criteriosa, verificou-se que não apenas o recobrimento radicular, mas também a modificação de fenótipo gengival seriam recomendados, a fim de garantir maior estabilidade de resultados em longo prazo. Para isso, a técnica de envelope modificado23 com enxerto de tecido conjuntivo e fechamento lateral, combinada com o deslocamento coronal do túnel, foi escolhida24-25.
Sendo assim, foi realizado um retalho em espessura total do tipo envelope preservando a integridade das papilas interdentais (Figura 5). Apicalmente à linha mucogengival, o retalho foi dividido, garantindo a mobilidade necessária para o tracionamento coronário livre de tensões. Raspagem e alisamento radicular foram realizados com curetas mini Gracey (Figura 6). O enxerto de tecido conjuntivo, removido da região palatina pela técnica do enxerto gengival livre desepitelizado, foi posicionado na região cervical dos dentes 33 a 43 (Figura 7). Além das suturas simples na região do elemento 31 para fechamento lateral do retalho, foram realizadas suturas do tipo colchoeiro modificado26 (suportadas pela contenção fixa lingual), para tracionamento coronal do retalho, e uma sutura do tipo Cornick, para estabilização do conjunto (Figura 8). Os acompanhamentos clínicos após 15 dias (Figura 9) e após 45 dias (Figura 10) evidenciam um efetivo recobrimento radicular, significativo aumento de volume e ganho de tecido queratinizado.
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Julio Cesar Joly
Mestre e doutor em Periodontia – FOP-Unicamp; Coordenador dos mestrados em Implantodontia e Periodontia – SLMandic; Coordenador do Instituto ImplantePerio.
Paulo Fernando Mesquita de Carvalho
Mestre em Periodontia – SLMandic; Coordenador do Instituto ImplantePerio.
Robert Carvalho da Silva
Mestre e doutor em Periodontia – FOP/Unicamp; Coordenador do Instituto ImplantePerio.
Autora convidada:
Stephanie A. Garófalo
Doutora em Ciências Odontológicas e pós-doutoranda em Periodontia – Fousp.