Carlos Saboia analisa a viabilidade do uso dos concentrados sanguíneos de terceira geração com a abordagem da engenharia tecidual inteligente.
Como clínicos, a regeneração tecidual é o nosso maior desafio. O reparo tecidual possui duas vertentes: a regeneração e a cicatrização. Evoluímos biologicamente para respondermos aos estímulos lesivos preferencialmente pela cicatrização, com o reparo das feridas assumido por células de ciclo celular mais curto, como as epiteliais e fibroblastos. Dessa forma, para alcançarmos a regeneração, precisamos lançar mão de protocolos de regeneração tecidual guiada que promovam e orientem o reparo utilizando idealmente biomateriais preenchedores que se comportem como arcabouços condutores e indutores, além de barreiras físico-químicas capazes de excluir fenótipos celulares indesejáveis para a reestruturação dos tecidos lesionados.
Desde 2015, abordamos os desafios regenerativos com a filosofia da engenharia tecidual inteligente (ETI), um conjunto de procedimentos que almejam estimular a inteligência biológica, representada por programas perpetuados no genoma celular desde a formação do zigoto, reativando mecanismos naturais de cura com um mínimo de interferências nos eventos teciduais, favorecendo os fenômenos de indução recíproca e localização temporoespacial. Em termos cirúrgicos, envolve o uso dos concentrados sanguíneos de terceira geração e aplicação da mecanobiologia em procedimentos minimamente ou suficientemente invasivos.
AS TRÊS GERAÇÕES DE CONCENTRADOS SANGUÍNEOS
O sangue é o principal biomaterial do reparo tecidual, seja ele cirurgicamente guiado ou não. Ele forma o coágulo sanguíneo, um tecido provisório, celularizado, condutor e indutor baseado em uma matriz de fibrina no sítio da lesão. A partir do final da década de 1990, o PRP (platelet-rich plasma) – um concentrado sanguíneo de primeira geração – passou a ser proposto na cirurgia oral e maxilofacial com o intuito de melhorar o processo de reparo tecidual. Em 2006, surge a segunda geração de concentrados sanguíneos, da qual o representante mais ilustre é o L-PRF (leucocyte and platelet-rich fibrin), divulgada com a publicação de cinco artigos em sequência explicitando a metodologia de obtenção, bem como a composição, propriedades biológicas e efeitos no mecanismo de reparo tecidual daquele concentrado. O preparo dos concentrados de segunda geração envolve uma única centrifugação, sem manipulação direta da amostra ou acréscimo de anticoagulantes e fatores de coagulação, contando apenas com a ativação da via intrínseca, representada pela tromboplastina plaquetária. Isso gera uma matriz extracelular baseada em fibrina, com ligações equilaterais, incorporando glicosaminoglicanos e glicoproteínas, conferindo-lhe propriedades biológicas superiores aos concentrados da primeira geração.
Em 2019, nosso grupo de trabalho idealizou o progressive platelet-rich fibrin (PRO-PRF), uma matriz baseada em fibrina amplamente funcional (MBFAF) obtida por centrifugação progressiva (variação da força centrífuga relativa ao longo do tempo de centrifugação), representando a terceira geração de concentrados sanguíneos (Figuras 1). Desde então, o PRO-PRF vem sendo utilizado por nós em abordagens de ETI para alcançar a regeneração na Implantodontia, Periodontia e no tratamento de feridas crônicas. Há dois anos, iniciamos a aplicação na HOF para preenchimento, imunomodulação, estimulação do turnover tecidual e rejuvenescimento.
Em 2023, publicamos os dois primeiros artigos, o primeiro caracterizando o concentrado sanguíneo de terceira geração (Platelet-rich fibrin progressive protocol: third generation of blood concentrates – https://doi.org/10.1016/j. joms.2022.09.002) e outro relativo ao tratamento de úlceras crônicas em diabéticos (Progressive platelet rich fibrin tissue regeneration matrix: description of a novel, low cost and effective method for the treatment of chronic diabetic ulcers: pilot study – https://doi.org/10.1371/journal. pone.0284701).
Na terceira geração, o protocolo de obtenção promove alterações ultraestruturais na MBFAF que potencializam o seu comportamento como arcabouço condutor e indutor. Quando assume o aspecto de membranas gigantes (GMPro), de matriz aglutinadora e biofuncionalizadora de biomateriais substitutos ósseos, ou é aplicado como injetável, constitui malhas com as seguintes características: a) melhor distribuição celular; b) maior elasticidade e resistência à tração; c) maior densidade (Figuras 2); e d) menor velocidade de degradação proteolítica quando exposta.
Desse modo, apresenta a capacidade de albergar e proteger leucócitos, célulastronco e fatores de crescimento liberados pela degranulação de plaquetas e leucócitos, facilitando também o trânsito desses elementos e das células dos tecidos adjacentes, otimizando a indução recíproca e a localização temporoespacial, contribuindo positivamente para a neovasculogênese em particular e a histogênese de um modo geral.
Em Implantodontia, podemos citar como exemplos da utilização do PRO-PRF: open wound technique; aumento 3D de mucosa queratinizada livre de enxerto de tecido conjuntivo com a GMPro (Figura 3); e a estruturação de enxertos modeláveis (BLOCKPro e ADGRAFT) como aglutinadores e biofuncionalizadores de biomateriais substitutos ósseos. Na HOF, a forma injetável é útil para promover o turnover tecidual, atuando como preenchedor, volumizador e imunomodulador, restartando o tecido e corrigindo alterações locais (Figuras 4).
Pelo exposto, o uso dos concentrados sanguíneos de terceira geração, com a abordagem da ETI, torna-se uma opção viável e natural para a regeneração tecidual em Implantodontia e HOF, proporcionando tratamentos de menor morbidade, menor custo biológico e financeiro que melhoram e aceleram o reparo, diminuindo o risco de intercorrências.
Carlos José Saboia-Dantas
Doutor em Ciências (Microbiologia) – UFRJ; Mestre em Ciências (Morfologia) – Uerj; Especialista em Implantodontia – UGF; Pesquisador do Lapert (Laboratório de Pesquisa em Reparo Tecidual); Departamento de Biologia Celular, Histologia e Embriologia – Instituto de Ciências Biomédicas, Universidade Federal de Uberlândia; Diretor científico e professor da BrainStorm GTR Academy.