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Canabinoides nas dores miofasciais crônicas

Nivaldo Vanni aponta que agregar a prescrição de canabinoides às intervenções clínicas contribui na evolução do quadro clínico das dores miofasciais.

Durante muitos anos, a disfunção temporomandibular (DTM) foi um buraco negro tanto para a Odontologia quanto para a Medicina, uma vez que seus sintomas se interseccionam justamente no limite das duas atuações profissionais. Desde então, temos observado uma grande procura – e uma confusa oferta – de opiniões e tratamentos sobre bruxismo e placas oclusais.

A visão oclusionista ou gnatológica perdeu força no final do século passado, com propostas de protocolos diagnósticos como o RDC, que foi aprimorado para o DC-TMD. Chegou-se à luz da identificação de 12 diagnósticos possíveis para o coletivo patológico de DTM, sendo separado em um bloco com sete implicações articulares e outro grupo com cinco implicações musculares, podendo haver mais de uma delas presente, talvez quatro ou mais, o que nos levaria a protocolos terapêuticos específicos para cada uma delas no mesmo paciente.

Dentro destes 12 diagnósticos possíveis, vamos abordar a dor miofascial crônica, que é a mais prevalente e a que mais está associada a fatores estressores cognitivos comportamentais e desordens do sono.

A síndrome da dor miofascial é uma desordem de grande complexidade e de alta prevalência, afetando de 5% a 12% da população adulta (Blasco & Martín, 2016). Atinge os músculos esqueléticos e pode estar presente em várias partes do corpo, incluindo os músculos mastigatórios (Gonzalez et al, 2015). Tem como característica a presença de pontos gatilhos miofasciais (PGM), que são definidos como pontos hipersensíveis causados pelo encurtamento da banda muscular devido à contração, causando dor referida, que é a dor sentida em um local diferente de onde ela é produzida, como nas cefaleias tensionais, e estão sempre presentes na dor crônica.

Os pontos gatilhos miofasciais podem ser ativos, quando causam dor espontânea, ou latentes, doendo somente quando estimulados (Simons & Travell, 1999). Nos indivíduos com disfunção temporomandibular, é alta a prevalência de PGM nos músculos masseteres e temporais (Blasco & Martín, 2016).

A contração excessiva da musculatura libera mediadores químicos inflamatórios, como as citocinas, prostaglandinas, bradiquininas e substância P, que agem sobre os receptores, causando a dor (Stone, 2018). Esse mecanismo se perpetua através da sensibilização central e periférica, fazendo com que a dor seja crônica.

TERAPIA CANABINOIDE

O sistema endocanabinoide (SEC) regula o sistema nervoso central, endócrino e imune, através de neuromodulação, e age sob demanda. Ou seja, somente quando ativado. É possível que esse fato tenha dificultado que sua descoberta tenha acontecido anteriormente. Os fatores estressores persistentes fazem com que nosso sistema endocanabinoide fique constantemente em atividade, levando à degradação dos endocanabinoides endógenos, anandamida (AEA) e 2-AG, que atuam modulando os estímulos agressores em busca do equilíbrio hemostático.

A planta cannabis possui mais de cem compostos canabinoides, centenas de terpenos e dezenas de flavonoides. Eles apresentam propriedades botânicas terapêuticas nas suas formas isoladas.

No entanto, quando usados em somação, potencializam seus efeitos. Essa capacidade associativa é chamada de “efeito entourage” ou “efeito comitiva”. A somação da terapia canabinoide proporciona uma vantagem extrema no tratamento a ser proposto, uma vez que esses pacientes apresentam em quase sua totalidade desvios multifatoriais, como sono não reparador, desordens comportamentais, como estresse crônico, depressão e ansiedade generalizada, além de medicações de uso contínuo com efeitos colaterais que potencializam o problema.

É neste contexto que os fitocanabinoides se encaixam. Por favorecerem a modulação homeostática na fenda sináptica, eles contribuem para um rápido alívio, pois melhoram o estresse oxidativo, com a consequente melhora do sono, ajudam no bem-estar, reduzindo os fatores emocionais, afunilam medicamentos contínuos e seus danos colaterais (fatores causais), e proporcionam uma melhora analgésica e anti-inflamatória com redução da dor.

Há diversos estudos evidenciando o afunilamento de opioides, benzodiazepínicos e hipnóticos, com a associação de fitocanabinoides. Desta forma, agregar a prescrição de cannabis medicinal às intervenções clínicas certamente irá contribuir na evolução do quadro clínico. Temos o efeito analgésico e anti-inflamatório do CBD e THC, a indução do sono do CBN, o poder antimicrobiano e reparador do CBG, além do efeito antioxidativo e neuroprotetor que todos eles somados apresentam.

O cirurgião-dentista deve buscar o entendimento deste complexo sistema e suas diversas combinações terapêuticas, uma vez que elas certamente trarão mais efetividade no tratamento das DTMs e das dores miofasciais crônicas. Este conhecimento trará mais valor, uma abordagem diferenciada e ampliará a atuação profissional.