A pandemia subiu o sarrafo de exigências de biossegurança. Confira as principais orientações para adequação dos consultórios e da rotina de atendimento.
Biossegurança sempre foi uma palavra importante no vocabulário do cirurgião-dentista, desde as primeiras semanas do curso de graduação. Quando um jovem ingressa na profissão, os rituais de limpeza, desinfecção e proteção passam a fazer parte permanente de sua rotina, devendo ser realizados repetidamente por diversas vezes ao longo do dia. É assim que acontece a cada paciente atendido, até o dia de sua aposentadoria.
De forma geral, os protocolos básicos de biossegurança já estão bem assimilados pela Odontologia brasileira, lembrando que podem existir diferenças dependendo da especialidade praticada. Cirurgiões bucomaxilofaciais e implantodontistas, por exemplo, costumam adotar um controle microbiológico mais rígido do outras especialidades cujos procedimentos são menos invasivos. Ou, pelo menos, era assim até a chegada da Covid-19.
A pandemia subiu o sarrafo de exigências para todos os profissionais de Saúde, principalmente para aqueles que atuam na Odontologia. Afinal, estamos falando de uma doença respiratória altamente contagiosa, algumas vezes letal, e de um profissional que trabalha diretamente dentro da boca de pacientes potencialmente contaminados, ficando totalmente exposto a gotículas e aerossóis transmissores da doença.
Mesmo estando em uma situação difícil perante a Covid-19, os cirurgiões-dentistas tem um trunfo a seu favor: a experiência com biossegurança.
Rede de proteção
Até 2019, no saudoso período pré-Covid-19, os vírus mais preocupantes à prática odontológica eram os das hepatites B, C e D, mas a lista de ameaças é bem maior. Com a chegada do SARS-CoV-2 e todas as novas necessidades impostas tipicamente pelas doenças respiratórias, a biossegurança voltou a estar entre os temas mais discutidos pelos profissionais de Odontologia.
Esta não é a primeira epidemia enfrentada pelos cirurgiões-dentistas – e, provavelmente, não será a última. Mesmo que hoje em dia existam procedimentos rotineiros para evitar a contaminação cruzada do vírus HIV, os cirurgiões-dentistas mais jovens não experimentaram o medo de contrair Aids nas décadas de 1980 e 1990, quando a doença era encarada como uma verdadeira sentença de morte. Depois de quase 40 anos, o HIV ainda representa risco à população e ao cirurgião-dentista, mas sua letalidade é muito menor.
Muitos ambientes de trabalho oferecem riscos aos seus trabalhadores. No caso da Odontologia, os protocolos de biossegurança são a rede de proteção que pode fazer a diferença entre a vida e a morte de uma pessoa. Antes mesmo da pandemia, as atividades relacionadas à saúde bucal sempre estiveram nos rankings das profissões mais perigosas, conforme a pesquisa anual promovida pelo Observatório de Segurança e Saúde do Trabalho.
Mesmo assim, os cirurgiões-dentistas estão entre os profissionais de saúde do serviço público que menos foram contaminados pela Covid-19. Com certeza, a seriedade com que os cirurgiões-dentistas encaram os protocolos de biossegurança é parte importante da explicação desse fenômeno.
A retomada pós-quarentena
Assim como aconteceu na Europa, diversos municípios brasileiros já retomaram suas atividades econômicas depois do período de quarentena pela Covid-19. Trata-se de um movimento natural, já que a pandemia se move em ritmos diferentes em cada região e os respectivos prefeitos e governadores podem determinar ou não a abertura conforme os seus próprios critérios. Para os profissionais de Odontologia, no entanto, a retomada das atividades aconteceu antes, obrigando a maioria dos cirurgiões-dentistas a redesenhar seus protocolos de biossegurança entre os meses de maio, junho e julho.
Nesse período de retomada das atividades, muitos consultórios enfrentaram dificuldades financeiras de fluxo de caixa, já que perderam seus faturamentos por diversos meses seguidos. Para piorar, ainda tiveram de fazer um investimento extra nas adaptações de biossegurança, que influenciaram tanto os custos fixos como os variáveis.
Uma vez que a fase inicial de adaptação foi superada, a grande expectativa fica para o momento em que o fluxo de pacientes aumentar e os consultórios entrarem em um ritmo mais próximo do que havia na pré-pandemia.
E a vacina?
Conforme foi amplamente divulgado em julho, uma cirurgiã-dentista foi a primeira voluntária nos testes da fase 3, realizados no Brasil, da vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford e pela AstraZeneca. Trata-se de Denise Abranches, coordenadora da Odontologia Hospitalar no Hospital São Paulo e presidente da Câmara Técnica de Odontologia Hospitalar do Conselho Regional de Odontologia de São Paulo (Crosp).
Além da vacina de Oxford, que já tem a sua segunda dose sendo ministrada no grupo de voluntários, outras três vacinas estão sendo testadas no Brasil, desenvolvidas pela Sinovac, BioNTech/Pfizer e Janssen (Johnson & Johnson). Até agosto, existiam 231 vacinas em fase de desenvolvimento ao redor do mundo.
A expectativa das autoridades brasileiras é de que, a partir da virada do ano, comece a imunização da população, em um processo que deve devolver a “normalidade” gradativamente para nossas vidas. No entanto, mesmo que os protocolos mudem, é fundamental manter a vigilância sobre o cumprimento de cada medida de biossegurança. Essa é a garantia de que os consultórios brasileiros são seguros e que os pacientes poderão sempre retornar.
Reinventando o consultório odontológico
Enquanto durar a pandemia de Covid-19, os consultórios odontológicos deverão trabalhar dentro das restrições impostas pelo risco de contaminação. A seguir, fizemos um resumo das principais orientações para adequação dos consultórios e da rotina de atendimento.
Organização da clínica/consultório
• Atenda somente com hora marcada e reserve um período entre os atendimentos para limpeza da área de atendimento e assentamento das partículas em suspensão.
• Avalie a direção do fluxo de ar dentro da clínica, para evitar que partículas em suspensão lançadas na área de atendimento sejam levadas para outros ambientes da clínica.
• Os prontuários não devem ser levados para a área de atendimento e nem tocados por mãos enluvadas.
• Utilize um tapete higienizador na entrada da recepção.
• Retire da recepção todos os objetos de manuseio, como brinquedos, revistas, água, café etc.
Triagem e controle de pacientes
• Antes de agendar qualquer procedimento, utilize um questionário para avaliar se existe alguma suspeita de que o paciente está contaminado.
• Uma hora antes da consulta, ligue para o paciente e verifique se ele tem algum dos sintomas da Covid-19.
• Como parte do procedimento de triagem, o paciente deve ter sua temperatura medida antes de entrar na área de atendimento.
• Ao chegar, o paciente deverá desligar seu celular e guardá-lo junto com seus demais pertences em um saco plástico fora da área de atendimento.
• O paciente deve vir para o consultório preferencialmente sozinho. Caso um acompanhante esteja presente, deverá passar pelos mesmos procedimentos de triagem e aguardar na recepção. Se a presença do acompanhante na área de atendimento seja imprescindível, ele deverá ser totalmente paramentado.
Preparação do paciente
• Orientar o paciente na lavagem das mãos e ajudá-lo na paramentação.
• Pedir ao paciente que traga sua escova de dentes e que faça a higienização bucal completa momentos antes do atendimento.
• Realizar bochecho com digluconato de clorexidina a 0,12% antes do atendimento.
• O paciente deve utilizar os seguintes EPIs durante o atendimento: campo de TNT descartável, gorro descartável e óculos de proteção.
Desinfecção da área de atendimento
• Utilização de EPIs completos pela equipe de saúde durante a limpeza, acrescentando luvas de polinitrila.
• Utilizar um borrifador para dispersar o desinfetante, realizando a higienização das superfícies, frascos e objetos tocados pela equipe durante o atendimento, começando com os menos contaminados e concluindo com os mais contaminados.
• Os aerossóis em suspensão podem ser removidos por exaustores, por ventilação natural ou aguardando seu assentamento nas superfícies.
• Substituir as barreiras plásticas das superfícies e realizar a autoclavagem de todos os instrumentos expostos a cada atendimento, mesmo que não tenham sido utilizados. Desinfetar a seringa tríplice e substituir as respectivas pontas descartáveis.
• As superfícies da bancada e do carrinho auxiliar devem ser cobertas com campo descartável e impermeável.
EPIs obrigatórios para profissionais em atendimento
• Respirador PFF-2/N-95. Deve ser mantido seco e substituído a cada quatro horas. Pode ser reutilizado, desde que seja armazenado da forma adequada.
• Luvas descartáveis.
• Jaleco de TNT impermeável, com fechamento traseiro. Deve ser descartável e substituído a cada paciente.
• Gorro descartável. Deve ser substituído a cada paciente.
• Óculos de proteção, com vedação lateral.
• Viseira/escudo facial.
• Sapatos fechados, de preferência laváveis.
• Atenção para a sequência correta de colocação dos EPIs e, principalmente, para a desparamentação.
Medidas para redução de gotículas e aerossóis
• Substituir o uso da cuspideira pelo sugador.
• Utilizar sucção/aspiração de alta potência.
• Sempre que possível, utilizar isolamento absoluto.
• Colocar o paciente na posição apropriada ao procedimento.
• Evitar o uso de seringa tríplice, principalmente em sua forma em névoa (spray).
• Regular a saída de água de refrigeração para a menor produção de aerossol, assim como os demais aparelhos produtores de aerossol.
• Sempre que possível, evitar o uso de canetas de alta e baixa rotações, curetas periodontais e aparelhos que gerem aerossóis.
• Adaptar a ponta da bomba a vácuo para aspiração da maior quantidade de aerossol próximo à sua produção, com um bocal maior, tipo funil.
Fonte: Orientações de biossegurança – Adequações técnicas em tempos de Covid-19 / Crosp – Julho/2020