Substitutos mucosos: Sérgio Scombatti aponta que a engenharia tecidual tem crescido no contexto odontológico.
É consenso na comunidade clínica e científica que tanto a espessura como a quantidade de tecido queratinizado e inserido são fundamentais na manutenção da saúde dos tecidos periodontais e peri-implantares, assim como na mimetização de um resultado mais estético e natural. Além disso, é importante para a correta confecção de próteses, restaurações e adequada instalação tridimensional de implantes osseointegráveis. Muitas vezes, as reabilitações orais são realizadas em áreas nas quais os tecidos de sustentação já foram perdidos, e na grande maioria dos casos em que o manejo da enxertia de tecidos é mister para um resultado clínico de excelência.
É indiscutível que um dos grandes desafios da cirurgia mucogengival seja a remoção do enxerto de tecido do palato ou do túber. Para os pacientes, o medo das consequências de uma segunda área cirúrgica gera, muitas vezes, bloqueios que os impedem de encarar o procedimento cirúrgico. Para os profissionais, o receio é da dificuldade técnica em realizar o procedimento e de saber ou não como manejar as complicações decorrentes dele.
Assim como a evolução das técnicas cirúrgicas, a engenharia tecidual tem também crescido no contexto odontológico. A evolução dos biomateriais tem levado esperança aos clínicos e pacientes sobre a possibilidade de se substituir o enxerto de tecido conjuntivo subepitelial, diminuindo a morbidade das cirurgias mucogengivais e, principalmente, aumentando a possibilidade de se reabilitar múltiplas áreas em uma mesma sessão.
Revendo o histórico dos substitutos mucosos, existem inúmeros materiais no mercado, de origem alógena ou xenógena. Os enxertos alógenos são originados de uma mesma espécie, porém de diferentes indivíduos: a matriz de origem dérmica acelular derivada de humanos é um exemplo. Os enxertos xenógenos são originários de espécies diferentes, como a matriz colágena suína acelular ou a matriz de colágeno suína. Essas matrizes funcionam como um arcabouço não vital, capaz de suportar e permitir a migração celular e uma nova vascularização até que um novo tecido seja formado.
Em 2001, Novaes et al1 foram alguns dos primeiros autores a publicarem um estudo controlado e aleatorizado comparando, em um dos lados, o uso do enxerto conjuntivo associado a retalho deslocado coronalmente, e no outro, a matriz dérmica acelular substituindo o enxerto conjuntivo. Tanto aos seis, quanto aos 12 meses2 de pós-operatório, ambos os enxertos apresentaram resultados similares em termos de recobrimento radicular e de espessura gengival, indicando a matriz dérmica acelular como uma possível substituta do enxerto conjuntivo, e assim evitando todos os problemas associados à remoção do enxerto do palato.
É importante salientar que, apesar dos bons resultados obtidos no estudo citado, devemos entender que esses biomateriais são não vitais. Apesar de manterem preservadas a matriz colágena e elastina, essas membranas não apresentam células ou vasos sanguíneos. Assim, o processo de incorporação da matriz pelo hospedeiro é mais lento do que o enxerto autógeno de conjuntivo. Neste último, a cicatrização e revascularização são baseadas na anastomose de vasos do tecido conjuntivo, periósteo e retalho, com aqueles presentes no próprio enxerto. Já os substitutos mucosos, por sua estrutura não vital, dependem exclusivamente de células e vasos do hospedeiro para sua integração3.
Pensando nisso, outros trabalhos foram realizados pelo nosso grupo de pesquisa, em que as incisões relaxantes eram deslocadas mesial e distalmente, produzindo um retalho mais amplo, mais largo. Adicionado a isso, para evitar a exposição das matrizes na margem gengival, um estudo mostrou que suturar a matriz 1 mm apicalmente em relação à junção cemento-esmalte (JCE), e o retalho 1 mm coronalmente à JCE, trouxeram resultados consistentes para o grupo das diferentes matrizes em até 12 meses de acompanhamento4-7.
Em conclusão, os biomateriais de forma geral vieram para agregar e facilitar a Odontologia. Conhecer a biologia dos tecidos facilita escolha da técnica, do biomaterial a ser utilizado e do objetivo a ser alcançado. O planejamento correto é fundamental em todos os casos. Assim, o clínico deve sempre buscar os melhores tratamentos para oferecer aos seus pacientes, de forma segura e objetiva, respaldando-se sempre na literatura científica.
Referências
- Novaes AB Jr, Grisi DC, Molina GO, Souza SL, Taba M Jr, Grisi MF. Comparative 6-month clinical study of a subepithelial connective tissue graft and acellular dermal matrix graft for the treatment of gingival recession. J Periodontol 2001;72(11):1477-84 (DOI: 10.1902/jop.2001.72.11.1477).
- de Souza SL, Novaes AB Jr, Grisi DC, Taba M Jr, Grisi MF, de Andrade PF. Comparative clinical study of a subepithelial connective tissue graft and acellular dermal matrix graft for the treatment of gingival recessions: six- to 12-month changes. J Int Acad Periodontol 2008;10(3):87-94.
- Luczyszyn SM, Grisis MFM, Novaes Jr AB, Palioto DB, Souza SLS, Taba Jr M. Histological analysis of the acelluar dermal matrix incorporation process. A pilot study in dogs. Int J Periodontics Restorative Dent 2007;27(4):341-7.
- Barros RRM, Novaes Jr AB, Grisi MFM, Souza SLS, Taba Jr M, Palioto DB. New surgical approach for root coverage of localized gingival recessions with acellular dermal matrix. A 12-month comparative clinical study. J Esthet Rest Dent 2005;17(3):156-64.
- Ayub LG, Ramos UD, Reino DM, Grisi MFM, Taba Jr M, Souza SLS et al. A modified surgical technique for root coverage with an allograft: a 12-month randomized clinical trial. J Periodontol 2014;85(11):1529-36.
- Reino DM, Maia LP, Fernandes PG, Souza SLS, Palioto DB, Novaes Jr AB. A randomised comparative study of two techniques to optimize the root coverage using a porcine collagen matrix. Braz Dent J 2015;26(15):445-50.
- Suzuki KT, de Jesus HMC, Suemi MI, Palioto DB, Messora MR, de Souza SLS et al. Root coverage using coronally advanced flap with porcine-derived acellular dermal matrix or subepithelial connective tissue graft: a randomized controlled clinical trial. Clin Oral Investig 2020;24(11):4077-87.
Sérgio Luís Scombatti
Doutor em Periodontia – FOB/USP; Livre-docente em Periodontia e professor do Depto. de CTBMF e Periodontia Forp–USP.
Orcid: 0000-0002-6199-7348.
Autores convidados:
Arthur Belém Novaes Jr.
Pós-graduação em Periodontia – Universidade de Boston, EUA; Doutor em Microbiologia – UFRJ; Professor titular de Periodontia – Forp-USP.
Marilia Bianchini Lemos Reis
Especialista, mestra e doutoranda em Periodontia – Forp-USP.