Em entrevista, Ueli Grunder relata sua trajetória e suas influências, debatendo os temas atuais da Reabilitação Oral.
Ueli Grunder conquistou um espaço de destaque na Odontologia com uma longa carreira iniciada na era pré-Osseointegração. Graças à sua visão privilegiada, foi capaz de integrar desde cedo os aspectos mais importantes da Implantodontia, Periodontia e Prótese Dentária. Como resultado, conseguiu colher esses frutos tanto no papel de professor, como de clínico.
Nesta entrevista conduzida por Laerte Schenkel em 2019, durante a passagem do professor suíço pelo Brasil, Grunder relata sua trajetória e suas influências. Também compartilhou sua opinião, fortemente marcada pela realidade suíça, sobre os temas atuais da Reabilitação Oral.
Laerte Schenkel – Por favor, conte-nos sobre a sua formação e início de sua carreira na Odontologia e na Implantodontia.
Ueli Grunder – Eu estudei em Zurique. Após concluir os estudos, fui para as montanhas, que eu adoro. Quando jovem, eu era instrutor de esqui, então fui para as montanhas e eu consegui um trabalho lá. Era ótimo, eu trabalhava durante a semana como cirurgião-dentista e, no fim de semana, eu esquiava, fazia trilhas, essas coisas. Depois, eu quis voltar para a universidade porque eu queria uma especialização. Eu consegui novamente um emprego na Universidade de Zurique com o prestigiado professor Peter Shärer, que acabou sendo um grande mentor para mim. Ele era bastante exigente, você pode ter certeza. Mas foi muito vantajoso conseguir esse cargo porque me proporcionou o treinamento em próteses fixas, que é a minha base, e em Periodontia, que era a área do professor Shärer.
Outro fato importante foi eu ter como meu segundo mentor na universidade o professor Ulrich Strupp. Como sabe, ele é reconhecido no mundo todo. Na época, naquela universidade, ele era o único autorizado a realizar implantes. Eles tinham tentado fazer implantes antes e tiveram tantos erros que eles pararam de fazer. E ele teve a chance, no meio dos anos 1980, a voltar com esse projeto.
LS – Então, estamos falando do período inicial da Implantodontia?
UG – Sim, isso foi bem no início. E tem um fato interessante, meu primeiro implante foi uma lâmina de Linkow. Os jovens não sabem mais o que é isso. Infelizmente, a reconstrução não foi possível porque o paciente faleceu. Que fique claro, não foi por causa do implante! Isso eu garanto! (risos) Fizemos muitos estudos de implantes em cães. Esse tipo de estudo não faz mais sentido nos dias de hoje, mas era muito frequente naquela época.
Graças ao apoio do professor Strupp, eu também comecei a dar aulas, o que é outra história interessante: um dia, eu e meu colega de grupo de estudos estávamos na universidade e o professor Strupp apareceu inesperadamente. Ele disse: “tenho que dar uma aula hoje à noite. Como eu não posso comparecer, vocês darão a aula.” E simplesmente nos entregou uma caixa com os slides da aula. E foi assim, de repente. Obviamente, nós conhecíamos o conteúdo teórico, mas minha primeira aula sobre Implantodontia aconteceu sem eu nunca antes ter colocado um implante na vida. Foi assim que comecei minha carreira de professor.
LS – E os alunos gostaram? O que eles acharam?
UG – Eu realmente não me lembro, mas deve ter sido horrível. Fizemos isso pelo nosso mentor.
LS – E como foi sua transição para a atividade clínica privada?
UG – Eu conheci um periodontista chamado Thomas Gaberthüel, que entrou em nosso grupo de estudo. Ele tinha seu trabalho reconhecido. Depois de um tempo, decidimos trabalhar juntos. Isso foi em 1987. Eu ainda permaneci na universidade como instrutor por muitos anos, mas era uma atividade adicional, realizada por fora. Depois de um período de teste, construímos uma grande clínica em 1989. Era um dos maiores consultórios da Suíça na época. Então, os políticos e outras pessoas influentes queriam ver o que estávamos fazendo porque tínhamos dez salas de atendimento e uma grande equipe, o que não era comum.
Estamos lá há 30 anos. O meu sócio se aposentou em 2014 e agora tenho um novo sócio, David Schneider. Temos um prédio inteiro onde 35 pessoas trabalham, considerando 25 da clínica e outras dez do laboratório de prótese, que é independente.
LS – E o que você pensa a respeito do que aconteceu na Implantodontia nos últimos dez anos? Ainda, na mesma questão, o que você pensa sobre o que virá nos próximos dez anos?
UG – A Odontologia mudou muito desde quando eu e você começamos. Era um negócio mais íntimo, nós conhecíamos as pessoas, havia mais interações, discussões. Eles nos ouviam. Agora é tudo um grande negócio. A realidade é que algumas grandes companhias estão destruindo a Odontologia. Os estudos são financiados pela própria indústria, assim como as palestras e conferências. Eu não acho que isso é bom. Não é um bom sinal para o futuro.
LS – E sobre ciência, o que você pensa do futuro?
UG – Estive em um congresso muito interessante, e havia um professor que fez uma apresentação bastante fundamentada em inúmeras pesquisas. Eu não sou uma pessoa muito gentil, eu sei disso. Então, durante a minha apresentação, falei para esquecerem de todos aqueles estudos. Eles comparavam uma série de resultados considerando uma amostra de 20 até uns 40 pacientes. Se você ler o livro de Daniel Kahneman e a “lei dos pequenos números”, vai entender. Quando você seleciona um número reduzido de pacientes para fazer um estudo, aquela amostra é apenas um evento aleatório. Não é uma representação fiel do universo. Aquilo não significa nada. E se você ler a Nature, todos estão falando disso. Com esses estudos de amostras pequenas, não adquirimos conhecimento. Não é científico, essa é a realidade. Para nós, nas clínicas, relatórios de casos são mais importantes do que esses tais estudos científicos.
LS – Fale um pouco sobre a situação dos sistemas CAD/CAM na Europa e na Suíça. Os cirurgiões-dentistas estão adotando ou não? A tecnologia funciona como se espera?
UG – Os sistemas CAD/CAM que estão disponíveis pela Xerox funcionam bem. Foi o Werner Mormann que desenvolveu. Têm sido bastante populares nos últimos anos. Tudo pode ser feito pelos cirurgiões-dentistas, esse é um aspecto. Por outro lado, o escaneamento e o fluxo digital como um todo ainda não fazem parte da rotina diária. Tem algumas pessoas que já utilizam, mas eu não acho muito prático. Ainda é complexo e caro. Você tem que comprar um bom scanner para fazer a moldagem digital em seu consultório, e um bom scanner custa mais de 40 mil dólares. Se você tem esse dinheiro, depois de um tempo você precisará de um novo scanner, pois o seu equipamento já ficou obsoleto. Então, tem que considerar isso também. No laboratório, é diferente, pois utilizamos bastante. Isso me lembra de uma história interessante: por volta de 1994, conseguimos fazer um arco completo de zircônia. Ninguém conseguia fazer isso na época, mas foi uma péssima ideia, sabe por quê? Demorou uma semana para fazer o arco! (risos) Foi uma burrice completa, mas conseguimos. Hoje, tudo é feito com a ajuda dos computadores.
Nós temos um técnico bem capacitado em nossa equipe, que passa o dia na frente do computador operando os softwares de design. Fazemos questão de realizar esse trabalho internamente, o que nos preocupa com o futuro, pois um dia não teremos mais esse técnico e na Suíça não se formam mais TPDs.
LS – Verdade?
UG – Sim, é isso que está acontecendo. Não há muitos alunos interessados. Acho que uns 40 alunos entram no curso por ano e, no final, menos de dez se formam. É um trabalho difícil e o salário não é muito bom. E como o computador só serve se tiver alguém na frente dele fazendo as operações, é preocupante.
LS – O computador não faz tudo sozinho. Ele precisa de nós.
UG – Pois é, e a consequência da informatização é que nós humanos vamos perdendo conhecimento ao longo do processo. Mas, sabe, talvez nossos pais tivessem o mesmo problema que temos hoje. Quando uns conhecimentos se perdem, outros se ganham. Existe um ditado que diz “A quantidade de conhecimento é sempre a mesma. Se ganhamos de um lado, perdemos do outro”. Acho que essa é a realidade.