O planejamento digital do sorriso passou a ser um grande aliado de cirurgiões-dentistas. Entenda como extrair o melhor resultado através do uso de ferramentas.
Por: João de Andrade Neto
Colaboraram: Dr. Diogo Viegas, Dr. Eduardo
Sant’Ana, Dr. Luis Calicchio e Dra. Maristela Lobo.
Escaneamento intraoral, impressão 3D, laserterapia, sistema CAD/CAM, softwares de simulação com imagens em 2D e 3D, tomografia computadorizada de feixe cônico, realidade aumentada e realidade virtual. A rotina clínica dos profissionais da Odontologia está cada vez mais integrada com os recursos tecnológicos, que agregam qualidade, segurança e previsibilidade desde o planejamento até finalização do tratamento.
Em constante evolução desde o início dos anos 2000, a tecnologia digital foi impulsionada na última década, com o desenvolvimento e a popularização de ferramentas, como os escâneres intraorais, e o avanço na qualidade das imagens tridimensionais. Desde então, os cirurgiões-dentistas passaram a se beneficiar desses novos recursos, que gradativamente têm ficado mais acessíveis aos especialistas. É neste cenário que o planejamento digital do sorriso tem ganhado espaço entre os profissionais da Reabilitação Oral. Visto como uma divisora de águas entre os especialistas, esta abordagem inovadora oferece uma visão detalhada e personalizada antes do início do tratamento, possibilitando melhores resultados estéticos e funcionais. Combinando a capacitação clínica dos cirurgiões-dentistas com o poder das tecnologias digitais avançadas, abre-se caminho para uma nova era do planejamento e execução de tratamentos odontológicos.
Entre as vantagens do uso do planejamento digital do sorriso, está a previsibilidade. Doutor em Ciências da Reabilitação Oral, o português Diogo Viegas utiliza a tecnologia há anos e destaca esta característica como uma facilitadora na rotina dos profissionais da Odontologia. “O planejamento digital do sorriso permite que tanto nós, profissionais de saúde, quanto os pacientes consigamos prever o futuro, vendo o resultado final do tratamento antes mesmo de começá-lo”, destaca. De acordo com Viegas, que também é pós-graduado e técnico em prótese dentária, a abordagem digital passou a ser uma importante aliada dos profissionais. “As cirurgias de implantes tornaram-se menos estressantes, e o especialista sabe que o implante vai ser posicionado respeitando todas as estruturas anatômicas e a colocação da prótese final. Com o auxílio destas tecnologias, não executamos simplesmente uma técnica ou protocolo, passamos a dominar o espaço e o tratamento. Quem planeja bem, tem menos surpresas”, define.
A previsibilidade não é o único benefício proporcionado pelo planejamento digital do sorriso. A tecnologia revolucionou também a forma do profissional da Odontologia se comunicar diretamente com os pacientes. Projeções, imagens e até vídeos já fazem parte da realidade do processo, auxiliando no entendimento do tratamento. Referência em Odontologia Estética, ministrando palestras sobre o tema mundo afora, o cirurgião-dentista Luis Calicchio já tem o planejamento digital do sorriso como uma rotina em sua atividade clínica, além de uma aliada nas conversas durante as consultas odontológicas. “A tecnologia digital traz um poder de comunicação muito grande com nosso paciente, pois você torna o tratamento muito mais visual. Você torna o seu planejamento mais real, e o paciente já observa o resultado final antes mesmo dele ir para a boca. Esse é um grande benefício”, ressalta.
A comunicação com os outros profissionais envolvidos no tratamento também sofreu uma importante mudança. Seja em uma equipe multidisciplinar ou na relação com os laboratórios parceiros, o cirurgião-dentista que já está imerso na tecnologia aumenta a efetividade do processo, com organização e compartilhamento de informações. “O planejamento digital melhora a comunicação com seu time, com laboratório e especialistas, como ortodontistas, periodontistas e implantodontistas, que passam a visualizar de maneira mais assertiva o que eles precisam fazer, no momento correto, para que sejam mais precisos no momento de execução dos procedimentos”, pontua Calicchio.
POR ONDE COMEÇAR
O planejamento digital do sorriso já é uma realidade na rotina odontológica. No entanto, ainda é uma abordagem distante de boa parte dos cirurgiões-dentistas brasileiros. Mas, afinal, o que é necessário para que o profissional ainda inexperiente na tecnologia digital possa dar seus primeiros passos neste segmento? “Para começar, é importante ter um computador com processador Intel Core i5 ou superior; boa memória RAM e placa de vídeo dedicada; e armazenamento em disco com boa capacidade (500 GB ou mais). Convém, também, adquirir um escâner intraoral e um software de planejamento digital”, recomenda Diogo Viegas.
Neste ponto, vale ressaltar que as exigências financeiras para a aquisição destas ferramentas ainda são questões impeditivas para grande parte dos especialistas. “Mesmo que compense no longo prazo, a transformação digital exige tempo e dinheiro no curto prazo. Muitos profissionais e laboratórios de prótese ainda não estão preparados para esta realidade. É necessário investir”, complementa Viegas. Mesmo assim, há diversas opções de empresas que disponibilizam escâneres intraorais, assim como uma ampla gama de softwares que possibilitam o planejamento digital do sorriso. Nemo 3D, Exocad Smile Creator, Smile Designer Pro, 3Shape Dental System, Smile Cloud, Smile Architect e o DSD (Digital Smile Design), desenvolvido pelo brasileiro Christian Coachman, entre outros, são alguns dos citados pelos profissionais. Desta forma, superada a dificuldade com o investimento inicial, o foco do profissional deve ser no conhecimento e no tempo de uso da tecnologia.
De acordo com os cirurgiões-dentistas, as ferramentas de planejamento digital requerem treinamento especializado, além da prática, com tentativa e erro, e experiência para serem utilizadas de forma eficaz. Há uma curva de aprendizagem, que pode ser menor se já houver um domínio das técnicas analógicas e convencionais. “Eu gosto de falar que não tem muito a ver com a tecnologia. Na realidade, o profissional precisa ter um entendimento dos conceitos básicos de análise facial e da integração do sorriso à face do paciente. É a partir disso que o especialista vai conseguir utilizar as ferramentas digitais como facilitadoras para atingir o resultado esperado, como o desenho de um sorriso”, pondera Luis Calicchio.
TECNOLOGIA 3D COMO REALIDADE
O desenvolvimento das novas tecnologias tem acelerado a evolução dos procedimentos odontológicos. Até pouco tempo atrás, as ferramentas de desenho 2D do sorriso eram o ponto mais avançado de trabalho. Hoje, no entanto, a criação de modelos 3D já é uma realidade na rotina clínica de muitos cirurgiões-dentistas. “Como eu sou totalmente adepto ao fluxo digital, acredito que basicamente tudo o que você cria como 3D em seus planejamentos vira realidade no tratamento de seu paciente. Quando o profissional ganha conhecimento para realizar um planejamento 3D fiel às realidades biológicos e funcionais, é possível atingir a realidade no momento em que executa o caso clínico”, explica Calicchio.
Com ferramentas ao alcance e profissionais mais preparados, os processos digitais já passaram a apresentar muitas vantagens para o dia a dia de trabalho de cirurgiões-dentistas, técnicos em prótese dentária e laboratórios. Previsibilidade, reprodução em larga escala e análise completa do caso estão entre os benefícios da prática.
“O planejamento digital tem se tornado mais rápido, preciso e sustentável. Uma cópia digital é sempre perfeita. Podemos copiá-la dez ou milhares de vezes e enviar para outros profissionais, o que não acontece com os moldes e modelos físicos. Podemos ter gengiva, imagens da face, tudo em sobreposição em um arquivo, o que não acontece com modelos físicos”, pondera Diogo Viegas.
PLANEJAMENTO DIGITAL EM OUTRAS ÁREAS DA ODONTOLOGIA
Se já é uma realidade nos tratamentos de reabilitação oral com implantes, o planejamento digital do sorriso também já está presente em diversas outras áreas da Odontologia. É o caso da Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial, uma especialidade que cuida de doenças, tumores na boca, face e alterações do complexo maxilomandibular, incluindo fraturas dos ossos da face e disfunções das articulações temporomandibulares (ATM), traumatismos e deformidades nessas regiões.
O cirurgião bucomaxilofacial Eduardo Sant’Ana foi um dos primeiros especialistas brasileiros a operarem o software Dolphin, tecnologia que conheceu ao realizar um programa de treinamento com o renomado cirurgião William Arnett na Califórnia (EUA). “Eu comecei a utilizar o software da Dolphin em 1998 e, desde então, ele mudou completamente o resultado de meus pacientes e a qualidade do meu trabalho. O software tem um impacto muito bom no sorriso, pois é possível trabalhar a qualidade dos tecidos moles e tecidos duros com previsibilidade, sabendo exatamente como vai ficar o seu paciente antes de operar”, explica Sant’Ana.
Com mais de 30 anos de experiência na especialidade, o cirurgião bucomaxilofacial conta que em sua rotina estão as cirurgias ortognáticas e em pacientes com má-oclusão de Classe I, II e III, sendo a Classe I a mais comum e a que mais opera. A tecnologia digital faz parte do trabalho diário, inclusive em procedimentos cirúrgicos mais complexos. “Há muitos anos eu já não faço cirurgia que não seja totalmente virtual, única e exclusivamente digital”, revela Sant’Ana, que é professor livre-docente da Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB/USP). Eduardo Sant’Ana ainda explica que existem padrões para o uso do planejamento digital, como a análise do formato do sorriso e das linhas de sorriso. E, mais importante, a tecnologia tem que ser utilizada como uma ferramenta. “Os softwares são fundamentais, mas são secundários a uma análise fácil cuidadosa e perfeita”, aponta.
Especialidade mais jovem da Odontologia, a Harmonização Orofacial também já utiliza as ferramentas digitais para melhores resultados clínicos. É comum que os profissionais de HOF façam um protocolo de fotos de face em repouso e das mímicas faciais, incluindo o sorriso, para a realização de uma análise de face baseada em pontos antropométricos (através de pontos craniométricos e cefalométricos), medidas diretas na face do paciente com paquímetro e medidas indiretas (transferidas a um programa de apresentação de slides em computador).
Segundo Maristela Lobo, que é especialista em Harmonização Orofacial e editora científica da ImplantNews, algumas das vantagens da utilização do planejamento digital também são perceptíveis nos tratamentos orofaciais. “A análise da face permite avaliações subjetivas e objetivas acerca de assimetrias, hipermotricidade muscular e áreas faciais que poderiam ser corrigidas ou aperfeiçoadas através de intervenções na área de HOF. Podemos associar essa análise a um planejamento digital do sorriso, mas não acontece em todos os casos”, pondera.
Maristela conta que, diferente de outras especialidades, os profissionais da Harmonização Orofacial não costumam realizar a simulação de tratamentos para a comunicação com pacientes, uma vez que isso pode dar uma impressão errada ou criar expectativas. “Os tecidos moles se comportam de maneira imprevisível, até certo ponto, e dependem da expressão tecidual de novo colágeno, elastina e angiogênese, basicamente. Nesse caso, sendo a HOF um tratamento progressivo, sugerir um resultado virtualmente poderia ser bastante perigoso e contraproducente”, revela.
PRÓXIMOS PASSOS DO PLANEJAMENTO DIGITAL
Apesar de vivenciarmos um momento de verdadeira explosão tecnológica, com avanços visíveis em todas as áreas, os especialistas em Reabilitação Oral consideram que ainda há um espaço considerável para o crescimento do digital na Odontologia, em especial na área da inteligência artificial, que pode ser utilizada para ajudar a prever resultados de tratamentos com ainda mais precisão, tanto no chairside quanto no labside.
A integração de tecnologias avançadas com a produção digital, maior automação, personalização de casos, uso da realidade aumentada e experiência aprimorada do paciente, que estará cada vez mais imerso no tratamento, são alguns dos pontos a serem desenvolvidos nos próximos anos. “Quando a tecnologia oferecer um escaneamento de face muito mais preciso, várias partes do nosso protocolo de captura de informações, como fotografias e vídeos, vão deixar de existir. Desta forma, o escaneamento de face pode se tornar um coringa, facilitador de tudo o que o especialista poderia ter na fase de planejamento digital”, acredita Luis Calicchio.
Uma das possibilidades vislumbradas pelos profissionais da área é que a popularização da tecnologia torne as ferramentas mais acessíveis, tanto no quesito financeiro quanto na usabilidade, com maior oferta de cursos e oportunidades de aperfeiçoamento. “O planejamento digital precisa ficar cada vez mais prático e acessível. Por enquanto, ainda não é. Precisa ser algo que se encaixe na rotina do cirurgião-dentista”, complementa Maristela Lobo.
Neste cenário de crescente uso das ferramentas, o avanço digital vai exigir que os profissionais da Odontologia que utilizam as ferramentas estejam em constante atualização, atentos a todas as novidades deste mercado. No entanto, os especialistas são unânimes em sentenciar que a tecnologia jamais substituirá a expertise de cirurgiões-dentistas, técnicos em prótese dentária e auxiliares na condução dos tratamentos odontológicos. “Vamos conseguir individualizar o uso dos softwares de diagnóstico de inteligência artificial?”, questiona Diogo Viegas, que faz uma projeção sobre o futuro da tecnologia. “Imagine que o mesmo software estará exposto a ambientes clínicos diferentes, fazendo com que o algoritmo cresça e aprenda, adaptando-se ao modelo que já existe e funciona bem em determinada clínica. É fascinante que a transição digital não tenha que transformar as nossas clínicas em um modelo pré-fabricado e igual. É possível realmente humanizar estas ferramentas. E este é o futuro”, finaliza Diogo Viegas.
SUGESTÃO DE SEQUÊNCIA PARA O PLANEJAMENTO DIGITAL DO SORRISO
– Consulta inicial com captura de imagens digitais do paciente (escaneamento intraoral inicial, fotografia de face e escaneamento facial, se necessário);
– Documentação radiográfica, na maioria das vezes uma tomografia;
– Integração de todas informações em um software de planejamento;
– Tradução dos escaneamentos iniciais em modelos físicos, através de impressão 3D ou fresagem (na própria clínica ou em laboratório);
– Manutenção e acompanhamento com escaneamentos comparativos, para detectar a efetividade do tratamento e possíveis alterações.
“Cada vez que seu paciente vai ao consultório, é importante realizar um escaneamento intraoral para colher informações e poder fazer comparações através da inteligência artificial. Desta forma, você deixa de fazer uma Odontologia de intervenção e passa a fazer uma Odontologia de prevenção.”
Luis Calicchio
“O planejamento digital do sorriso possibilita a criação de próteses provisórias e até de próteses fixas com o sistema CAD/CAM de uma forma muito mais rápida e previsível. Assim, nos tornamos também um pouco mais autônomos do laboratório nestes tipos de trabalho e podemos dedicar tempo para as tarefas com maior exigência estética.”
Diogo Viegas