Alta densidade óssea e elevados torques para instalação de implantes podem ser fatores de risco para a osteomielite? Guaracilei Maciel Vidigal Júnior explica.
Embora incomum, após a instalação de implantes devemos ficar atentos à osteomielite (OM) não associada a medicamentos (como os inibidores de reabsorção óssea usados no tratamento da osteoporose). Inicialmente, o sintoma clínico mais comum é a presença de desconforto ou dor difusa na área da cirurgia. E, quando na mandíbula, pode irradiar para a região da ATM e ouvido logo após a suspensão da medicação pós-operatória. A dor inicia no período pós-cirúrgico, entre cinco e sete dias, sem nenhum sinal clínico de inflamação ou infecção, e aumenta durante/após as refeições. Somente em casos avançados e não tratados precocemente poderá ocorrer fenestração da mucosa e exposição de osso necrótico.
Apesar de não haver um único fator de risco preditivo da osteomielite, a literatura descreve algumas causas prováveis, como osteopetrose (OP), idade e presença de implante dentário. A OP é uma alteração genética rara do metabolismo ósseo, caracterizada pela disfunção dos osteoclastos, prejudicando a reabsorção óssea e sem alterações da atividade dos osteoblastos. Esta disfunção causa uma esclerose óssea intensa, com redução dos espaços medulares e do turnover ósseo. Complicações na cicatrização após exodontias são comuns.
A osteomielite na mandíbula ocorre em cerca de 10% dos casos de OP1 . Mas, a osteomielite também pode ocorrer em pacientes completamente saudáveis2 . A bibliografia mostra que, em casos não relacionados à OP, a maioria dos pacientes estava entre a sexta e a sétima década de vida2-3. Outro subtipo de OM é a relacionada a implantes, já que sua presença é um fator de risco independente. Este subtipo de OM é considerado mais refratário ao tratamento conservador e mais agressivo3.
Apesar da osteomielite ser uma condição clínica rara, todos os que trabalham com implantes devem estar atentos e compreenderem esta entidade clínica. O tratamento inicial da OM inclui a recomendação de alimentação pastosa enquanto houver dor e o uso de antibiótico por um longo período. Em alguns casos, a intervenção cirúrgica – incluindo a remoção do implante – deve ser realizada. Se o profissional não estiver atento e a osteomielite evoluir, procedimentos cirúrgicos mais invasivos (mandibulectomia segmentar ou maxilectomia parcial) serão necessários3.
Um estudo avaliou a microflora presente e a resistência dos microrganismos à antibioticoterapia (46 casos de OM, sendo 32 de origem odontogênica), verificando que a infecção era predominantemente polimicrobiana (65,9%) e o microrganismo mais comumente isolado era o Streptococcus viridans. Entre os 26 Streptococcus viridans testados, 81% foram suscetíveis à penicilina e 96% às fluorquinolonas. Somente 11,5% foram suscetíveis à clindamicina – sugerindo que os antibióticos betalactâmicos devem ser os de primeira escolha. Para pacientes alérgicos à penicilina, as fluorquinolonas seriam a segunda opção4.
Apresento dois casos clínicos com características e evolução semelhantes. Ambas as pacientes estão na sexta década de vida, não faziam uso de antirreabsortivos ósseos, apresentavam densidade óssea muito elevada na região posterior da mandíbula e, em ambas, os procedimentos foram realizados com elevado torque.
A primeira paciente (Figuras 1) apresentava um implante, instalado na região 36 em janeiro de 2011, com peri-implantite e perda óssea envolvendo a sua metade cervical. Este implante foi removido em abril de 2022, utilizando o implant retriever com contratorque acima de 60 Ncm. Na segunda paciente (Figuras 2), o implante foi instalado com torque acima de 60 Ncm na região 46.
Para a primeira paciente, o protocolo medicamentoso usado foi o trometamol cetorolaco 10 mg (6/6 horas durante três dias) e dipirona (8/8 horas no primeiro dia, depois somente em caso de dor). Para a segunda paciente, foi prescrito amoxicilina de 500 mg de 8/8 horas durante cinco dias, iniciando 24 horas antes da cirurgia. Também foram prescritos nimesulida 200 mg de 12/12 horas durante três dias e dipirona de 8/8 horas no primeiro dia, depois somente em caso de dor. Para as duas pacientes, também foi prescrito o uso de solução de clorexidina a 0,12% durante dois minutos, três vezes ao dia, por 14 dias.
Sete dias após as cirurgias, as suturas foram removidas e ambas apresentaram uma ótima cicatrização dos tecidos moles. Entretanto, a primeira paciente relatou dor localizada e com aumento de intensidade progressivo 24 horas após a cirurgia, apesar da medicação analgésica. Neste momento, iniciou-se o uso de antibiótico (amoxicilina 500 mg de 8/8 horas) e a dor diminuiu progressivamente, desaparecendo após 48 horas. A primeira paciente foi submetida a novas tomografias computadorizadas (cone-beam e multislice) para pesquisa de fratura óssea, que não foi detectada. A segunda paciente relatou dor na região após 12 dias, principalmente às refeições. Prescreveu-se novamente o uso de nimesulida 200 mg de 12/12 horas e dipirona de 8/8 horas, mas a dor não cedeu. Então, no 14º dia, foi prescrita amoxicilina 500 mg de 8/8 horas. A dor desapareceu 48 horas após o início da antibioticoterapia. Ambas as pacientes fizeram uso do antibiótico durante 21 dias e foram orientadas a evitar alimentos duros e não mastigar no lado da cirurgia. Após este período, não houve recidiva da dor.
Estas situações clínicas sugerem que, além da idade e da presença de implante dentário, a alta densidade óssea (Figuras 1C e 2C) e o uso de elevados torques para instalação e remoção de implantes podem ser fatores de risco para a osteomielite .
Referências
- Naval L, Molini MS, Herrera G, Naval B. Dental implants and osteomyelitis in a patient with osteopetrosis. Quintessence Int 2014;45(9):765-8.
- Semel G, Wolff A, Shilo D, Akrish S, Emodi O, Rachmiel A. Mandibular osteomyelitis associated with dental implants. A case series. Eur J Oral Implantol 2016;9(4):435-42.
- Yahalom R, Ghantous Y, Peretz A, Abu-Elnaaj I. The possible role of dental implants in the etiology and prognosis of osteomyelitis: a retrospective study. Int J Oral Maxillofac Implants 2016;31(5):1100-9.
- Pigrau C, Almirante B, Rodriguez D, Larrosa N, Bescos S, Raspall G et al. Osteomyelitis of the jaw: resistance to clindamycin in patients with prior antibiotics exposure. Eur J Clin Microbiol Infect Dis 2009;28(4):317-23.
Guaracilei Maciel Vidigal Júnior
Especialista e mestre em Periodontia – UFRJ, e doutor em Engenharia de Materiais – Coppe/UFRJ; Livre-docente em Periodontia e especialista em Implantodontia – UGF; Pós-doutor em Periodontia e professor adjunto de Implantodontia – Uerj.
Orcid: 0000-0002-4514-6906.