Para Maristela Lobo, é importante que o cirurgião-dentista saiba avaliar as diferentes posturas labiais do seu paciente, considerando posições estáticas e dinâmicas.
Vou começar esse texto com uma frase de Imannuel Kant: “Quem não sabe o que busca, não identifica o que acha”. Quando peço aos colegas e alunos para elencarem os elementos que compõem o sorriso estético e harmonioso, poucos são aqueles que conseguem especificar características sem recorrer à percepção abstrata do “senso estético”.
Um sorriso considerado estético e agradável apresenta características como exposição radial ao sorrir, alinhamento dental, cor clara dos dentes, dominância de incisivos centrais, dominância de papila entre os incisivos centrais, ascendência de papilas da linha média em direção aos dentes posteriores, curvatura dos dentes superiores coincidindo com a curvatura do lábio inferior, forma dos dentes adequada para a face, comissuras bucais subindo em direção ao arco zigomático, tubérculo do lábio (estômio) mais baixo do que as comissuras, volume labial adequado e ausência de assimetrias estáticas e dinâmicas.
Como o ato de sorrir é um processo dinâmico, a beleza do sorriso não depende apenas do correto posicionamento dentário e esquelético, mas também da disposição equilibrada do periodonto de proteção e da anatomia e funcionamento da musculatura perioral. O primeiro ponto de observação é o fato de que o nosso paciente apresenta mais de um tipo de sorriso. Identificar, registrar e categorizar esses sorrisos torna-se fundamental. É um exercício de observação diagnóstica.
Figuras 1 – A e B. Existem diversos tipos de sorriso, dependendo da postura tecidual e da contração muscular, ainda que o paciente se mantenha em posição natural da cabeça. Observe os dois pacientes da esquerda para a direita. Geralmente, a exposição dentária é mais discreta no sorriso “posado”, mostrando apenas os dentes superiores, e evolui para uma maior exposição no sorriso “espontâneo”, o qual revela um pouco dos dentes inferiores. O “descortinamento” labial pode ser ainda maior no “sorriso máximo”, mostrando conteúdos dentais maxilares e mandibulares. Ainda assim, esses sorrisos são considerados estéticos porque revelam simetria dinâmica, dominância de exposição maxilar, dominância de incisivos centrais superiores e exposição radial.
Figuras 2 – A e B. O sorriso esteticamente agradável é radial, de modo que as comissuras se movem lateral e superiormente, na direção do trágus. E o estômio, porção mais central (medial) do lábio superior, permanece ligeiramente coronal – para baixo em relação às comissuras. O conteúdo intrabucal exposto ao sorrir limita-se aos dentes superiores e a uma pequena porção da gengiva; dentes inferiores e fundo de sulco de maxila não estão à mostra. Os incisivos centrais superiores revelam dominância, bem como a papila gengival entre esses dois dentes. O corredor bucal é discreto, e a curvatura da arcada superior acompanha a curva do lábio inferior. Os dentes anteriores (13 a 23) distribuem-se entre os limites laterais da asa do nariz.
Figura 3 – Na intraoral, o arranjo estético dos dentes e do periodonto pode ser observado: margens gengivais de caninos e incisivos centrais superiores (ICS) coincidem; zênites gengivais desses mesmos dentes encontram-se distalizados em relação à linha média dental em até 1 mm (pontos vermelhos); margens de incisivos laterais (ILS) e pré-molares superiores (PMS) coincidem e dispõem-se em até 1 mm coronal às margens de centrais e caninos, determinando os triângulos invertidos bilaterais da gengiva nessa região (delimitados pela linha azul); os zênites gengivais dos ILS e PMS encontram-se sobre a linha média desses dentes (pontos vermelhos); a papila entre os ICS deve ser a que domina o arranjo junto com esses dentes, pois possui ponta mais coronal e base mais larga (também delimitada pela linha azul); as demais papilas gengivais ascendem em direção distal, o que pode ser verificado pelos pontos verdes.
Figuras 4 – Existem várias situações nas quais o sorriso pode ser considerado inestético. Aqui exponho três exemplos para chamar atenção à composição dos vários elementos que compõem o sorriso: dentes, periodonto e lábios. O desequilíbrio estético pode acontecer em apenas um desses elementos, em mais de um ou na associação destes. Da esquerda para a direita: paciente 1 – excesso vertical de maxila, erupção passiva alterada e hipermobilidade labial resultam em excessiva exposição do conteúdo intrabucal e percepção de amplo sorriso gengival superior e inferior; paciente 2 – assimetria labial e periodontal, discrepância do tamanho das coroas clínicas dentais e ausência de dominância de incisivos centrais superiores, aliadas à coloração escurecida dos dentes; paciente 3 – excesso de exposição da maxila, mostrando inclusive fundo de sulco e exostoses ósseas.
A posição do lábio durante as dinâmicas de sorriso e fala está diretamente relacionada à infraestrutura interna da boca, isto é, à configuração tridimensional da maxila e da mandíbula, o fenótipo periodontal e a posição dos dentes. É importante que o cirurgião-dentista saiba avaliar as diferentes posturas labiais do seu paciente, considerando posições estáticas e dinâmicas, a fim de diagnosticar atividades musculares excessivas e outros fatores associados ao comportamento funcional e estético do lábio.
Maristela Lobo
Mestra em Odontologia (área de Cariologia) e doutora em Clínica Odontológica (área de Dentística) – FOP-Unicamp; Especialização em Periodontia – EAP-APCD; Professora do curso de pós-graduação lato sensu em Odontologia; Coordenadora da especialização em Periodontia Senac SP e Mandic SP; Coordenadora da especialização e do mestrado especial em Harmonização Orofacial e coordenadora da especialização em Periodontia – SLMandic.
Orcid: 0000-0003-0595-8851.