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Nem sempre copiar a natureza pode ser uma decisão sensata

Em sua coluna de estreia, Oswaldo Scopin debate a importância da função e da oclusão, em especial no processo digital.

Esta é a primeira edição da coluna Interface na ImplantNews. A intenção deste novo espaço é expor assuntos que, muitas vezes, são controversos e geram desconforto em todos nós, que atuamos na área da Reabilitação Oral. Além disso, não perder de vista que a estética guia o planejamento, mas é a função que define a morfologia final de uma restauração.

A evolução constante dos materiais odontológicos se intensificou a partir da incorporação da tecnologia digital no cotidiano de clínicas e laboratórios de prótese. Quando se pensa em Implantodontia, por exemplo, é quase impossível essa dissociação, desde a captura de imagens radiográficas, passando pelo planejamento virtual, impressão de guias cirúrgicos, até a confecção de próteses de zircônia sobre elementos unitários ou múltiplos.

Em Reabilitação Oral, a confecção de restaurações cerâmicas, que começou com a técnica de estratificação com porcelana, vem sendo substituída por cerâmicas de alta resistência fresadas e maquiadas. Essa substituição não é total, pois estamos em uma época que considero de “transição digital”, onde ambas as técnicas coexistem em um mesmo universo.

Empresas e centros de pesquisas aprimoram materiais que em um futuro, próximo ou não, poderão ser confeccionados praticamente dentro de um processo automatizado. Não sabemos quando e nem mesmo quanto tempo até essa conversão, que talvez não ocorra. A interpretação de qual a melhor abordagem é motivo de discussão em todos os níveis, e deve ser visto como algo saudável para a evolução da Odontologia.

Entretanto, muitas vezes, a previsão não ocorre na velocidade ou no tempo que profissionais e empresas desejam, levando frustração a quem investe pesado em tecnologia. Em relação à estética, técnicos em prótese dental (TPDs) dominam as técnicas estratificadas e maquiadas com maestria, principalmente no Brasil, que é uma incubadora e referência mundial de grandes “artistas ceramistas”.

A explosão de processos digitais trouxe outra consideração, também em relação a outro aspecto que caminha junto e é tão importante quanto a estética: a função. O mercado da Reabilitação Oral explodiu e há nos meios educacionais uma preocupação que se intensificou. Como controlar e validar a oclusão em casos desenvolvidos “totalmente no processo digital”?

Há bibliotecas em todos os softwares de desenho, que são as bases para o início de um planejamento. Estas bases de dados podem ser criadas pelo desenvolvedor e modificada pelo usuário. Ou seja, as possibilidades são imensas. “O algoritmo” guia muito nossas decisões.

Quando iniciei minha jornada no processo digital, há mais de dez anos, um ponto me chamou a atenção. Mesmo tendo toda a informação, o movimento real do paciente ainda era um problema. Isto é, eu tinha a morfologia, mas não tinha a função. Ou, então, eu tinha a análise estática, e não a dinâmica de cada paciente. Obviamente que a evolução nos traz cada vez mais informação, mas ainda é indispensável a análise clínica e em articulador semiajustável (ASA) do movimento de cada paciente. E isso deve ser feito com critério.

Vou usar um exemplo de algo que precisa de atenção especial: o desenho da borda incisal dos incisivos centrais. Na adolescência e em adultos jovens, a anatomia é uma. Com o passar do tempo, o desgaste fisiológico muda essa área, e esse desgaste é funcional e natural. Se restauramos indivíduos adultos, devemos copiar a natureza de um dente jovem praticamente intacto ou de um adulto?

Dentes naturais envelhecem, desgastam, assim como qualquer órgão do corpo humano. A Odontologia Restauradora (Dentística e Prótese Dentária) é uma área que reconstrói o que foi destruído ou perdeu a função através da colocação de restaurações diretas e indiretas, sobre dentes e implantes. Um dos desafios de cirurgiões-dentistas e TPDs é devolver a estética e a função, respeitando o padrão oclusal do paciente. Pode parecer uma missão simples. Usando como exemplo o desenho da borda incisal de uma restauração de um incisivo central superior, é necessário que seja compatível com a função a ser executada na idade, momento de vida e tipo de reabilitação a qual o paciente está sendo submetido.

Restaurar dentes de pacientes com desgaste dental, com sinais de bruxismo, não é igual restaurar uma Classe IV de um adolescente com anatomia incisal praticamente intacta no dente vizinho, assim como restaurar um implante unitário em um incisivo central superior pode ser totalmente diferente de realizar um laminado cerâmico na mesma situação. Utilizar como referências sempre o que encontramos na natureza pode levar à ocorrência precoce de falhas.

O objetivo da reabilitação de dentes anteriores não é somente devolver guias em canino. O padrão desenhado pela função – e que é individual de cada paciente – é o que determina o desenho da borda incisal de um incisivo central, por exemplo. A avaliação prévia do padrão de oclusão deve ser criteriosa, pois é individual de cada paciente. A partir disso, nas fases de enceramento, simulação (mock-up), provisórios e na restauração final, esse padrão deve ser checado e validado, tanto no “desenho digital”, passando pelo ASA, e dentro da cavidade bucal. A recomendação é criar áreas incisais e não bordos finos, e evitar ângulos vivos em regiões funcionais. Isso independe do material, seja resina ou cerâmica. O desenho da borda incisal deve preferencialmente ter um desenho que respeite o movimento de cada paciente. A Figura 1 mostra duas restaurações cerâmicas com diferentes desenhos de borda incisal. A Figura 2 é exemplo de como deve ser, na minha interpretação de função, o desenho dessa borda.

Em pacientes com sinais de bruxismo, apertamento e desgaste dental, esses fatores se tornam ainda mais responsáveis por fraturas precoces de restaurações. Assim sendo, o alerta para nem sempre copiar a natureza é algo sensato, respeitando tudo o que a Biologia e a Fisiologia nos ensinam.

Acredito que estamos em uma fase na Reabilitação Oral em que a função vai finalmente alcançar um local de destaque. Hoje, temos muito mais condições de controlar fatores críticos graças à evolução da ciência e da tecnologia. O assunto é complexo e controverso, mas como digo sempre: “precisamos falar sobre isso”, pois oclusão não é somente devolver o guia canino, por exemplo. Este mito, de que esse padrão é sempre a solução de todos os problemas, pode ser um erro.