A impressão 3D passou a fazer parte da rotina dos profissionais da Reabilitação Oral. Entenda o estágio atual da tecnologia e como ela pode ser útil aos cirurgiões-dentistas.
Os grandes saltos de desenvolvimento da Odontologia em sua história contaram com a importante contribuição da tecnologia. Desde o uso do primeiro motor elétrico, no século 19, até a atual prática da cirurgia guiada, passando pelos conceitos de alta rotação e ergonomia, os avanços tecnológicos caminham ao lado da evolução e do aperfeiçoamento da atuação clínica de cirurgiões-dentistas e técnicos ao longo das décadas.
Um dos mais importantes recursos digitais da atualidade, a manufatura aditiva, popularmente conhecida como impressão 3D, vem ganhando destaque na Odontologia – mais precisamente na Reabilitação Oral. O maior interesse dos profissionais tem sido causado por uma transformação rápida que acontece em todas as especialidades e, em especial, nos procedimentos de Reabilitação Oral. Guias cirúrgicos, próteses produzidas através de CAD/CAM, coroas temporárias e placas oclusais estão entre os itens mais confeccionados no segmento odontológico.
A tecnologia de impressão 3D é utilizada há décadas, mas vivenciou uma mudança de patamar nos últimos anos, com a popularização da ferramenta na Odontologia. Apesar do alto custo para aquisição, os equipamentos deixaram de ser uma exclusividade dos laboratórios de próteses dentárias e passaram a fazer parte da realidade do dia a dia clínico de cirurgiões-dentistas em seus próprios consultórios, com investimento de tempo e conhecimento para acelerar a curva de aprendizado.
Este processo de rápida adaptação dos profissionais com a tecnologia também aconteceu pela quantidade de novos materiais fresáveis que despontaram como opções de uso, como cerâmicas, adesivos, fibras de vidro, resinas híbridas e zircônias com maior translucidez e policromáticas. Outro ponto importante é o surgimento de novas possibilidades de impressões, que vão além do dente e passam por modelos de face, defeitos para estudos e biomodelos prototipados, entre tantos outros.
Imprimir em 3D significa implementar algumas mudanças relevantes para a rotina dos profissionais, como não utilizar mais os tradicionais modelos de gesso. Há também a diminuição da necessidade de espaço físico para o estoque de materiais, uma vez que os arquivos passam a ser digitais.
Essas facilidades modificaram também a relação entre profissionais da Odontologia e os laboratórios de prótese dentária. Antes responsáveis pela quase totalidade de peças confeccionadas, as grandes e médias empresas do setor viram os próprios especialistas entrarem no circuito. Assim, surgiram novas possibilidades, com trabalhos integrais, parciais ou até híbridos realizados no consultório e no laboratório.
Diante deste cenário em transformação, a ImplantNews conversou com especialistas da Implantodontia, Periodontia e Prótese Dentária que já se beneficiam das vantagens da impressão 3D na Reabilitação Oral para entender o estágio atual dessa ferramenta, como ela tem facilitado o dia a dia dos profissionais da Odontologia e quais devem ser os próximos passos da tecnologia dentro e fora dos consultórios.
Odontologia atual seria praticamente inimaginável sem a presença dos processos de manufatura aditiva (impressão 3D) nos mais diversos fluxos que vivenciamos. Eu acompanho a tecnologia desde 2014, na época ainda do tipo FDM (filamento) com escopo bastante restrito para a Odontologia. Desde então, pude acompanhar o desenvolvimento de maquinários e insumos até, efetivamente, incluir os processos de forma mais concisa e aplicável clinicamente entre os anos de 2017 e 2018. Hoje, basicamente, a impressão 3D é um dos grandes braços direitos de minha clínica na produção dos mais variados tipos de objetos, como modelos de precisão, dispositivos oclusais, restaurações temporárias e de longo prazo, oferecendo resultados rápidos, de custo relativamente baixo e extremamente precisos e previsíveis.
Com o advento de tecnologias mais acessíveis com cada vez mais qualidade, a exemplo das impressoras LCD, hoje temos equipamentos mais modestos com resultados melhores do que os apresentados por algumas máquinas caras de poucos anos atrás. É uma das portas de entrada mais acessíveis aos usuários que desejam incorporar fluxos digitais nas suas rotinas clínicas, ainda mais quando associada a softwares de desenho gratuitos. Superada a curva de aprendizado inicial, possui plenas condições de oferecer resultados reproduzíveis e, em especial, apaixonantes para cirurgiões-dentistas e técnicos em prótese dentária.
Glauber Rama – cirurgião-dentista, especialista em Periodontia e mestre em Reabilitação Oral.
As impressoras 3D começaram a ser utilizadas por radiologistas que buscavam levar os exames de imagem avaliados em softwares de computador para a geração de biomodelos. Sendo assim, modelos eram produzidos em impressoras de filamento para que a anatomia do paciente pudesse ser avaliada. Com a evolução de escâneres intraorais e tomógrafos, profissionais de diversas especialidades na Odontologia começaram a buscar tecnologias de manufatura aditiva, que trariam qualidade superior para a entrega dos trabalhos. A indústria se adequou rapidamente para a área da saúde, trazendo impressoras voltadas para uso com resinas fotopolimerizáveis e biocompatíveis.
Assim, temos um cenário interessante. Algumas soluções, como guias cirúrgicos, alinhadores ortodônticos e próteses confeccionadas por CAD/CAM, que eram em sua maioria produzidas por empresas de médio ou grande porte, passaram a ser produzidas dentro de clínicas e laboratórios menores. Isso possibilita um atendimento personalizado, aliando clínicos com profissionais que queiram focar seu desenvolvimento profissional exclusivamente no uso de softwares, tecnologia, CAD/CAM e impressão 3D. Esse movimento mudou um pouco a percepção de construção de carreira para muitos cirurgiões-dentistas.
A única barreira de entrada ainda é o acesso de forma democrática. Afinal, o investimento no conjunto de soluções necessárias ainda é alto. Mas, em breve, é provável que tenhamos um cenário em que softwares de planejamento terão ferramentas cada vez mais automatizadas com a incorporação de inteligência artificial, facilitando a usabilidade e a curva de aprendizado, além de termos equipamentos com preços cada vez mais atrativos.
Andrea Son – cirurgiã-dentista, especialista em Prótese Dentária, mestra e doutoranda em Implantodontia.
Até 2017, eu vivenciei o que havia de mais avançado e tecnológico em produtos e equipamentos para a confecção de próteses totais. No entanto, essas novidades sempre passavam pelos mesmos passos: articulação de modelos em ASA, montagem de dentes em cera e, por fim, essas próteses eram finalizadas em resina tipo acrílica com cores naturais (sistema STG) polimerizadas à temperatura, ora com água, ora livre de água, como no sistema micro-ondas. Todos esses processos geram resíduos a serem descartados, tempo de trabalho altíssimo e logística complexa.
Em 2018, quando vi a primeira prótese total impressa em minhas mãos, confesso que não achei nada bonita. Não tinham aparência de próteses totais “verdadeiras”. Eu quis entender um pouco mais sobre impressão 3D e assim começou minha jornada rumo à digitalização do processo de confecção das próteses totais. Após realizar um estágio nos EUA, aprendi o processo de confecção, logística e finalização dessas peças. Já no Brasil, eu pude desenvolver, executar e aperfeiçoar as próteses, trabalhando com o crescente mercado das resinas e desenvolvendo o workflow junto aos cirurgiões-dentistas.
Atualmente, posso dizer que utilizo o fluxo digital em 75% da produção de trabalho no laboratório, com a vantagem de gerar arquivos que são impressos diretamente nas clínicas em que presto serviço, encurtando distâncias e reduzindo o tempo de logística. O foco do laboratório passa a ser o setor CAD, oferecendo projetos mais realísticos-funcionais e com baixa recidiva. Meu trabalho tem sido focado em prótese totais reabilitadoras, especialmente por serem produtos escalonáveis, com baixo custo de produção, estética, acurácia e adaptação boas, pouco material descartado e processos limpos e seguros.
Renata Vano – técnica em prótese dentária, pós-graduada em prótese total, ministradora de cursos no Brasil, EUA, Portugal e Colômbia.
A Odontologia Digital atingiu um momento muito importante, em que os cirurgiões-dentistas procuram investir em novas tecnologias na medida em que notam a necessidade de oferecer soluções com mais previsibilidade para seus pacientes. A associação do escaneamento intraoral, escaneamento de face, tomografias computadorizadas e fotografias trazem informações valiosas que, quando dispostas em ambiente virtual através de softwares específicos, permitem um diagnóstico mais preciso e um planejamento mais adequado.
Os escâneres intraorais estão cada vez mais velozes, detalhados e discretos, as tomografias computadorizadas passaram a orientar o planejamento e a execução de procedimentos, e as fresadoras têm ocupado um espaço importante atualmente, com grande diversidade de tamanhos, finalidades e produtividade. Novos materiais fresáveis, como fibras de vidro e resinas híbridas, além das zircônias com maior translucidez e policromáticas, são destaques.
Neste contexto, a impressão 3D desponta como uma importante solução para os procedimentos odontológicos. Ao contrário das fresadoras, as impressoras 3D podem ser adquiridas por valores acessíveis para qualquer profissional da Odontologia. Com o desenvolvimento cada vez maior de novos materiais, elas permitem a produção de restaurações temporárias ou de longa duração, próteses totais, placas oclusais, aparelhos ortodônticos, modelos, mock-ups, guias cirúrgicos, guias de preparo, guias periodontais, guias endodônticos e quaisquer outros dispositivos de resina fotopolimerizável. Com isso, elas têm agregado imensamente, tanto para os laboratórios de prótese e centros de Radiologia quanto para o cirurgião-dentista, que deve estar preparado para saber usufruir das vantagens destas novas tecnologias.
Vagner Ortega – cirurgião-dentista, doutor em Implantodontia e mestre em Reabilitação Oral.
O avanço da manufatura aditiva na Odontologia tem como marco o surgimento de materiais biocompatíveis de uso intraoral, que potencializaram seu uso em laboratórios e nos consultórios. Nos últimos sete anos, surgiram impressoras mais precisas, rápidas e mais acessíveis. Além disso, o uso dos escâneres intraorais aumentou consideravelmente, tornando ainda mais necessário o recurso da impressão 3D para a produção de modelos e dispositivos intraorais.
Os desafios estão principalmente em dois pontos: o domínio do processo e o desenvolvimento de novos materiais. A curva de aprendizagem costuma ser subestimada porque o processo parece simples, mas exige atenção aos detalhes e protocolos para que o resultado ideal seja atingido, tanto em precisão quanto em propriedades dos materiais e biossegurança para o paciente.
Depois que o profissional atinge o treinamento adequado, um portal de possibilidades se abre. No meu caso, que introduzi a impressão 3D no consultório e na pesquisa desde 2017, considero um item indispensável. Utilizo a tecnologia diariamente para produção de modelos, confecção de coroas temporárias, em todos os casos de placas oclusais, além da personalização de guias para diversos procedimentos, como implantes, mini-implantes ortodônticos, Periodontia e Endodontia.
O que mais me encanta na impressão 3D é a possibilidade de materializar e personalizar qualquer tipo de solução com precisão. E é por isso que ela se encaixa perfeitamente na Odontologia, já que permite a inovação para a evolução das técnicas odontológicas. Assim, a impressão 3D foi uma revolução.
Mayra Vasques – cirurgiã-dentista e doutora em Prótese Dentária pela Fousp.
Quanto mais imprimimos, mais aprendemos. O mundo da Odontologia mudou, não em fundamentos biológicos e conceitos científicos, mas o fluxo de trabalho passa por uma acelerada revolução a partir da digitalização, como o uso a impressão 3D. Houve avanços significativos no aperfeiçoamento dos materiais, como resinas, cerâmicas, adesivos, infraestruturas protéticas e materiais de moldagem. A Odontologia Digital exige o uso de equipamentos CAD/CAM, então como selecionar minha impressora, resina e máquinas de pós-processamento? Sobretudo, pesa na balança o modelo de negócio: o uso é dentro do consultório, franquias clínicas ou em um laboratório/centro de planejamento? Quando buscamos por precisão e reprodutibilidade, torna-se relevante o investimento em tecnologia DLP ou SLA, sendo mandatório o uso de resinas e insumos certificados pelo fabricante da impressora, principalmente para prestar o serviço a cirurgiões-dentistas terceiros, sendo que no próprio consultório a inicialização tecnológica pode se resumir às LCDs.
É necessário observar a limitação da indicação de uso das LCDs à confecção de modelos anatômicos. O uso fora de indicação tem resultado reservado e o tema é controverso, mas acreditamos em um entendimento mais amplo para não ferirmos a ética, sem deixar em segundo plano a importância do uso de resina certificada, assim como equipamentos de pós-processamento validados a uma específica impressora 3D. Após mais de uma década de uso da tecnologia CAD/CAM, concluímos que, quando solicitado pela exigência de procedimentos de alta precisão, como replicar términos de preparos, encaixes de análogos digitais, confecção de guias cirúrgicos, goteiras ortognáticas e endoguide, há preocupação com uma possível desfiliação de processos conduzidos por tecnologia DLP/SLA, mandatoriamente usando produtos certificados e com pós-processamento seguindo a bula do fabricante. Afinal, como todo material dentário, devemos respeitar suas indicações e manipulação.
Vinicius Machado – especialista em Radiologia e Imaginologia, mestre em Implantodontia e CEO do Grupo Slice.
Nelson Silva – professor da UFMG, mestre e doutor em Reabilitação Oral.