Em entrevista ao brasileiro André Pelegrine, Peter Moy fala sobre os avanços da Implantodontia, cirurgia guiada, biomateriais e PRF.
Peter Moy é um dos nomes mais respeitados do mundo por sua contribuição para a Implantodontia. Atua como pesquisador e professor de Cirurgia Oral e Maxilofacial da Faculdade de Odontologia da Universidade da Califórnia (Ucla). O norte-americano contribuiu significativamente para a disseminação da Osseointegração nos EUA, tendo trabalhado com o Prof. P-I Brånemark durante muitos anos. Para compartilhar algumas de suas impressões sobre o estado atual da especialidade, Peter Moy recebeu o professor brasileiro André Pelegrine em sua residência, na ensolarada Los Angeles, onde ele também mantém sua clínica particular. Confira a entrevista com Peter Moy.
André Pelegrine – Qual é a avaliação que você faz sobre os principais avanços da Implantodontia nos últimos 20 anos? Qual foi a principal mudança, em sua opinião?
Peter Moy – Com certeza, o avanço mais importante e significativo da Implantodontia neste século foi a conversão de todas as abordagens analógicas para a tecnologia digital, e tudo começou há 20 anos, quando a Nobel Biocare desenvolveu o NobelGuide. Na ocasião, quando eu comecei a aprender a usar o software, percebi que a principal diferença era que, além de poder enxergar melhor do ponto de vista da TCFC, eu também poderia entender em três dimensões a forma como fazer o plano de tratamento, em que o guia cirúrgico nos fornecida uma abordagem totalmente guiada para a colocação dos implantes e nos dava a oportunidade de fazer a carga imediata.
AP – Qual é a sua opinião sobre os novos recursos de cirurgia guiada e a tecnologia de navegação na cirurgia?
PM – Eu diria que este é só o começo. Eu digo isso porque é óbvio que a cirurgia guiada, quando planejada adequadamente, é muito mais precisa e menos traumática para o paciente. No entanto, somente hoje podemos ver do que ela é capaz. Quero dizer, começamos com a cirurgia totalmente guiada, que nos permitia colocar o implante na exata posição para receber a prótese. Hoje, temos a cirurgia por navegação dinâmica, em que temos a oportunidade de ver em tempo real onde a fresa está. É ainda mais preciso! Hoje, algumas companhias estão trabalhando no desenvolvimento da cirurgia robótica, e à medida que nos envolvemos mais com esta tecnologia, somos capazes de conseguir não apenas mais precisão, mas também acurácia na colocação dos implantes.
AP – Nós percebemos que você continua trabalhando com enxertos autógenos, mas também utiliza uma grande variedade de diferentes biomateriais. Eu gostaria de saber a sua opinião sobre os biomateriais disponíveis comercialmente hoje em dia. Qual é o limite para esse uso?
PM – Vejo que não existe limite. Ainda usamos o autólogo, pois é o único que possui as três propriedades necessárias para a formação óssea: osteoindução, osteocondução e osteogênese. Não reconheço nenhum outro biomaterial que, sozinho, consegue reunir esses três atributos.
Entretanto, devido aos desenvolvimentos que estão em andamento sobre o tempo de reabsorção, o foco está nos biomateriais sintéticos, que devem permitir a nova formação óssea em função do espaço que se cria com o tempo. Do ponto de vista da osteocondução, temos que acrescentar os novos conhecimentos sobre enzimas, proteínas e fatores estimulantes que levarão à osteogênese com efeitos minimamente osteoindutores.
AP – Percebemos também que você eventualmente utiliza PRF (fibrina rica em plaquetas) em sua clínica privada. Em qual tipo de conceito você se apoia para decidir sobre utilizar ou não a PRF?
PM – Bem, ainda precisamos provar a funcionalidade e a base de evidências do conceito de estratificação por PRF. Quanto mais aprendemos sobre os fatores de crescimento que estão contidos nas plaquetas, mais novas perguntas surgem. Por exemplo, a PRF que você mencionou é a geração seguinte ao PRP (plasma rico em plaquetas). Eu já trabalhei com essa substância há mais de 25 anos e, naquela época, nos foi dito que ela seria capaz de induzir a formação de osso. Hoje sabemos que isso não acontece de fato. Com a facilidade de termos centrífugas de bancada, hoje podemos usar PRF diariamente, mas ainda não temos uma boa ideia de todos os seus benefícios, simplesmente porque existem muitas formas e não sabemos se a mudança dos protocolos nos fornece o mesmo tipo de PRF. Estamos tentando identificar o protocolo ideal e quais porções têm mais concentrações de fatores de crescimento. Assim, eu prefiro usar a área concentrada, o “buffy coat”, no enxerto ósseo com o intuito de colaborar na formação óssea. Por outro lado, utilizo a PRF menos concentrada, o sobrenadante, para auxiliar na cicatrização do tecido mole.
AP – Vamos falar sobre superfícies de implantes. Qual é a sua opinião sobre os recursos que a indústria tem adotado, como as superfícies ativas, com alta hidrofilia, nanorrugosidades etc.?
PM – Acredito que as novas superfícies representam uma espada de dois gumes. Por um lado, ajudam com uma osseointegração mais rápida; por outro, se a superfície ficar exposta, é uma bomba-relógio. Não há maneira de higienizar superfícies rugosas. Nesses espaços se forma uma smear layer, com alta concentração bacteriana e proteínas deletérias causando inflamação. Isto aumenta a mucosite e a peri-implantite. Em minhas aulas, acho que só mostro a ponta do iceberg, deve haver mais processos inflamatórios.
AP – De fato, isso parece uma questão relevante, já que estamos enfrentando um volume grande de casos de peri-implantite.
PM – Temos um livro que se concentra nos princípios cirúrgicos para Implantodontia, pois descobrimos que a melhor proteção contra a resposta inflamatória é colocar os implantes de forma adequada, seguindo os princípios que aprendemos com P-I Brånemark. Ou seja, abaixo do nível ósseo, aguardando o tempo necessário para a osseointegração etc. As pressões financeiras de hoje nos obrigam a carregar os implantes imediatamente e em posições complicadas.
AP – Esse livro foi traduzido recentemente para o português e lançado no Brasil (Fundamentos de Implantodontia – Prótese). Além dos casos clínicos, ele trata com profundidade sobre os conceitos teóricos, tanto nos aspectos cirúrgicos quanto protéticos. Pode falar um pouco mais sobre ele?
PM – É claro! Fiquei muito contente quando o volume 1 foi traduzido para a língua portuguesa, pois fornece muitas informações e é o que P-I Brånemark nos ensinou: a colocação do implante é guiada pela prótese. Lembro-me de quando fiz o treinamento com ele. Nunca devemos colocar o implante simplesmente onde existe osso, e sim, idealmente, onde ficará a prótese. Todos esses princípios ainda permanecem válidos, mesmo com todos os avanços das superfícies, materiais de enxertia, componentes protéticos etc.
Ainda precisamos fazer uma boa cirurgia para obter sucesso em longo prazo. No volume 1, o Dr. John Beumer III e eu queremos enfatizar que a prótese e a cirurgia devem andar juntas. Ambas sabem onde próteses e implantes devem ser colocados idealmente. No volume 2, continuamos com esse pensamento, enfatizando não somente a posição do implante, mas também o conhecimento sobre os princípios protéticos. Sempre digo aos residentes: você será um grande cirurgião se conhecer os princípios protéticos, não só da Ucla, mas no Brasil e em todo o mundo. Tenha uma mente aberta.
AP – Você faz parte do grupo de pesquisadores que estão na história da Osseointegração, inclusive com a publicação de um artigo em 2007 que é considerado um marco no campo dos enxertos ósseos. Pode nos contar um pouco mais sobre esse estudo?
PM – Acho que você me chamou de velho! (risos). Eu realmente não estive envolvido no desenvolvimento da Osseointegração, cujos créditos devem ir para o Prof. P-I Brånemark e toda sua equipe. Ele foi capaz de reunir uma equipe maravilhosa de pesquisadores e clínicos. Infelizmente, não vemos esse tipo de iniciativa nos dias de hoje. Eu tive a sorte de poder acompanhar esse momento quando P-I me convidou para visitá-lo em seu centro de pesquisa, em 1985. Desde então, passei a encontrá-lo uma vez por ano em seu laboratório até a sua aposentadoria. Foi esse treinamento que me fez compreender que era preciso ser cirurgião para entender a ciência por trás das técnicas que estávamos empregando. Não somos carpinteiros. Precisamos conhecer mais sobre a resposta do osso e dos enxertos.
Isso foi importante para desenvolver a revisão sistemática com a Dra. Tara Aghaloo, em 2007, no consenso do IJOMI sobre os enxertos ósseos, que teve como foco apontar quais técnicas nos davam maior suporte em longo prazo e melhores taxas de sucesso na fixação de implantes. Eu já participei de cerca de dez consensos desde então, e isto provavelmente abriu os meus olhos sobre a necessidade de não condenar um material ou outro, mas avaliar todo e qualquer material biológico, toda e qualquer técnica cirúrgica e ver qual é a melhor combinação. Esse é o ponto de partida para o meu conce to de biologic layering (“gradação de uso” nos biomateriais), porque eu acredito verdadeiramente que todos os materiais podem ser funcionais, desde que você entenda as suas características e o tempo de cicatrização adequado de cada um.