Eduardo Dias de Andrade descreve a leucemia e debate as duas preocupações principais ao tratar os pacientes com a doença.
A leucemia representa um grupo de neoplasias malignas derivadas das células hematopoiéticas. A doença tem início na medula óssea, local onde as células sanguíneas são produzidas. Ao serem abandonadas a seu próprio curso, as células leucêmicas podem invadir o sangue periférico e atingir vários órgãos do paciente, impedindo sua função normal.
Com base na célula de origem, as leucemias podem ser classificadas em mieloide (mielocítica) ou linfoide (linfocítica), lembrando que as células mieloides darão origem aos neutrófilos, eosinófilos, monócitos, basófilos, hemácias e plaquetas, enquanto as células linfoides darão origem aos linfócitos. De acordo com a velocidade de crescimento das células doentes, as leucemias podem ser agudas ou crônicas. A forma aguda progride rapidamente e produz células que não estão maduras e não conseguem realizar as funções normais. Já a leucemia crônica progride lentamente e os pacientes têm um número maior de células maduras. Os principais tipos são: leucemia mieloide aguda (LMA) ou leucemia mieloide crônica (LMC), leucemia linfoide aguda (LLA) ou linfoide crônica (LLC).
Com a proliferação das células neoplásicas no interior da medula óssea, há um menor suprimento na produção das células hematopoiéticas normais. Devido à redução no número de hemácias e, por consequência, da capacidade de transporte de oxigênio do sangue, os pacientes com leucemia irão apresentar anemia e fadiga. A deficiência de plaquetas provoca problemas de sangramento. A febre é uma característica clínica comum e está associada à infecção devido à depleção de neutrófilos.
Portanto, o cirurgião-dentista deve considerar duas preocupações principais ao tratar pacientes com leucemia: a prevenção de infecções e hemorragias bucais, especialmente em procedimentos mais invasivos.
O tratamento básico das leucemias consiste na quimioterapia, que pode ser associada à radioterapia e transplante de medula óssea. O plano de tratamento odontológico deve levar em consideração as diferentes etapas desta terapia. Assim, a troca de informações com o oncologista é imprescindível para que ele possa avaliar o estado hematológico atual, pois a complexidade de cada caso irá determinar as prioridades, o risco/benefício e a duração do tratamento dentário1.
Categorias de risco e cuidados no atendimento
Há tempos, foi proposta uma classificação dos pacientes em categorias de alto, moderado e baixo risco para procedimentos odontológicos, com base no tipo de leucemia (aguda ou crônica) e etapas da quimioterapia2.
Alto risco
São aqueles pacientes com leucemia ativa, que possuem um grande número de células neoplásicas na medula óssea e no sangue periférico. É a chamada “crise blástica”. Também estão incluídos neste grupo os pacientes que estão em meio ao tratamento da doença e que apresentam supressão da medula óssea como resultado da terapia. Tais pacientes são extremamente suscetíveis à infecção e hemorragia bucal. Os procedimentos odontológicos ficam limitados às situações de urgência, geralmente em ambiente hospitalar, exigindo a interação entre dentista e médico2.
Risco moderado
É o caso dos pacientes que completaram com sucesso a primeira fase do tratamento (indução) e estão em fase de manutenção, não apresentando sinais de malignidade na medula óssea ou sangue periférico. No entanto, devido à quimioterapia, apresentam mielossupressão (atividade diminuída da medula óssea, resultando em menor número de leucócitos, hemácias e plaquetas)2. O tratamento dentário pode ser executado durante os períodos que se situam antes ou depois de 21 dias da sessão de quimioterapia. Porém, antes de qualquer tratamento, o médico deve ser consultado e realizadas a leucometria e contagem de plaquetas.
Se a contagem de leucócitos estiver abaixo de 3.500/mL ou se a contagem de plaquetas for menor do que 100.000/mL, os procedimentos eletivos devem ser postergados2.
Baixo risco
Nesta categoria, estão os pacientes que completaram o tratamento com sucesso e não apresentam evidências de malignidade ou mielossupressão. Em geral, eles não estão tomando medicamentos. Foram curados da lesão maligna e liberados para procedimentos odontológicos convencionais2.
De comum acordo com o oncologista, o uso profilático de antibióticos pode ser considerado no pré-operatório de procedimentos que provocam bacteremias transitórias significativas3, mesmo após o tratamento quimioterápico ter sido completado4. Especial atenção deve ser dada à prescrição dos antiinflamatórios não esteroides, que podem interferir negativamente nos mecanismos de hemostasia, aumentando o risco de hemorragia.
Fica claro que aqui foram feitas apenas algumas considerações sobre o assunto. Protocolos pormenorizados para cada classe de procedimentos dentários, em função da etapa da terapia antineoplásica, podem ser encontrados no artigo1 recomendado para leitura.
Referências
1. Zimmermann C et al. Dental treatment in patients with leucemia. J Oncol 2015;2015:571739.
2. Sonis ST, Fazio RC, Fang L. Princípios e prática da medicina oral (2a ed.). Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1995. p.225-9.
3. Tong DC, Rothwell BR. Antibiotic prophylaxis in dentistry: a review and practice recommendations. J Am Dent Assoc 2000;131(3):366-74.
4. Koulocheris P, Metzger MC, Kesting MR, Hohlweg-Majert B. Life-threatening complications associated with acute monocytic leukaemia after dental treatment. Aust Dent J 2009;54(1):45-8.
Eduardo Dias de Andrade
Graduado, mestre, doutor, livre-docente e professor titular na área de Farmacologia, Anestesiologia e Terapêutica – FOP/Unicamp. Autor dos livros Terapêutica Medicamentosa em Odontologia e Emergências Médicas em Odontologia.
Orcid: 0000-0001-8889-2194.