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Como a falta de cuidados básicos de higiene oral pode estar matando silenciosamente portadores de próteses sobre implantes

Oswaldo Scopin destaca que a prevenção e a detecção precoce de doenças que se originam na boca são cada vez mais de responsabilidade do cirurgião-dentista.

Como profissionais da Saúde, a grande maioria dos cirurgiões-dentistas sabe que a falta de higiene oral adequada pode estar relacionada com inúmeras enfermidades sistêmicas. O exemplo clássico, e de amplo conhecimento desde a década de 1960, são os pacientes com histórico de endocardite bacteriana (EB), também chamada de infecciosa.

Nestes pacientes, a American Heart Association (AHA) vem recomendando diversos protocolos de profilaxia antibiótica que foram se adequando com novos dados científicos. Hoje, a profilaxia deve ser utilizada apenas em pacientes de alto risco. Neste grupo estão incluídos pacientes com histórico de EB, portadores de válvulas cardíacas, transplantados e outros fatores específicos que podem potencializar danos ao coração, podendo em último caso levar ao óbito.

Entre as justificativas da restrição da utilização profilática de antibióticos aos grupos de médio e baixo risco está o conceito de que a EB é resultante, mais frequentemente, de bacteremias que podem ocorrer durante atividades diárias do paciente, e não necessariamente serem decorrentes de um procedimento odontológico. Entre estas atividades estão os microtraumas com alimentos e a escovação inadequada, causando a presença constante e abundante de biofilme que cria um ambiente inóspito, podendo levar microrganismos da cavidade oral para dentro da corrente sanguínea.

Desde a minha graduação, das áreas básicas até as clínicas, os professores sempre enfatizaram a importância da Odontologia na saúde geral, reforçando que somos “médicos da boca”, que é parte do corpo, por onde entra o ar e o alimento, e que nós, cirurgiõesdentistas, cuidamos dela. A intrigante pergunta que fica é: será que estamos fazendo o suficiente pelo que temos de conhecimento aplicado e literatura científica disponível?

Minha área de atuação é a Reabilitação Oral, que engloba a prótese sobre dentes e implantes, procedimentos restauradores, controle e prevenção de casos que realizo. Há quase 35 anos, quando eu era estagiário na área de prótese total (PT), ainda na graduação, era comum receber pacientes portadores de “dentaduras” com tártaro nestas próteses. Desde aquela época, eu pensava: se a pessoa não consegue limpar nem a PT, como seria se tivesse dentes naturais? Isso era no final da década de 1980.

O tempo passou e vieram os implantes osseointegráveis, que revolucionaram a reabilitação oral. Desenvolvidos e testados em diversos centros de pesquisas em todo o mundo, estes pequenos parafusos de titânio se tornaram ferramentas indispensáveis no armamentário odontológico. Em todas as áreas da saúde, quando uma novidade é lançada, ela deve passar obrigatoriamente por um roteiro de validação clínica e científica. E com os implantes isso não foi diferente. Como algo revolucionário que se expandiu na década de 1990, quase que junto com a internet, as técnicas envolvendo implantes se tornaram de uso corriqueiro e, hoje, segundo dados recentes, 50% das próteses dentais confeccionadas no mundo são sobre implantes. Ou seja, trata-se de um mercado bilionário.

Não há a menor sombra de dúvida de que os implantes dentários melhoraram a qualidade de vida de uma geração, ajudando na melhora de função e estética. Como qualquer área do conhecimento humano, a Implantodontia cresceu e problemas também surgiram. Hoje, sabemos que os tecidos em volta dos implantes são suscetíveis, assim como os dentes à ação de microrganismos. A temida peri-implantite se tornou um achado constante e de extensa discussão na literatura científica. O tema é longo e complexo, com dúvidas e questionamentos sobre como tratar e conduzir cada situação nova que surge quando uma terapia com implantes não tem sucesso.

Por isso, vejo que talvez estejamos frente a um problema de grandes proporções. Em 2015, uma higienista norteamericana publicou um livro1 mostrando como a higiene oral inadequada poderia estar causando a morte de idosos em uma casa de repouso nos Estados Unidos, com relatos chocantes. Em uma revisão sistemática2 recente, os autores enfatizam a importância da escovação dental e remoção do biofilme como essenciais para o controle da pneumonia adquirida em hospital (PAH). Essa infecção é comum e de alta morbidade. Estes são dois exemplos de como devemos mudar a percepção dos dados que temos.

A pergunta que fica é: se pacientes vão a óbito devido à infecção pulmonar em hospitais, pelas condições inadequadas de higiene oral, será que o mesmo não pode ocorrer com portadores de protocolos ou próteses sobre implantes que não conseguem higienizar de maneira adequada a cavidade oral, não importando a idade? Mesmo sem literatura disponível, minha percepção é que esse tópico deve ser levado muito a sério e pode se tornar um problema enorme de saúde pública. Em clínicas privadas, é comum receber pacientes que, mesmo bem orientados e com próteses bem desenhadas em áreas acessíveis, têm dificuldade motora de higienizar adequadamente próteses sobre dentes e implantes (Figuras 1 e 2). Imaginemos agora o quanto é crítica a higienização de próteses fixas tipo protocolo em ambas as arcadas. Quem atua na área de Implantodontia e Reabilitação Oral encontra rotineiramente resíduos imensos de biofilme e restos alimentares, mesmo que a prótese seja desenhada de maneira correta. Na maioria das vezes, o problema está relacionado à dificuldade de acesso, portanto, à mobilidade e à habilidade motora para limpar estas áreas.

Estamos vivendo mais e melhor, graças à evolução da ciência, mas toda evolução deixa lacunas que vão sendo preenchidas com o tempo e o aprimoramento de materiais, técnicas e abordagem. Cada vez mais, a prevenção e a detecção precoce de doenças que se originam na boca são de responsabilidade do cirurgião-dentista. Assim, precisamos criar protocolos de tratamento e informação de qualidade para pacientes e profissionais das áreas de saúde, e que sirvam também para médicos e enfermeiros, explicando a importância da limpeza adequada da cavidade oral, que ajuda a evitar patologias como a PAH, que pode levar ao óbito.

Outro ponto para ficarmos em alerta é a extensiva informação sem ética postada nas mídias sociais, ensinando e preconizando técnicas mutiladoras em que dentes naturais são extraídos para a colocação de implantes. Estamos em um momento crucial, uma encruzilhada, em que temos muitos dados, mas não temos todas as respostas. Entidades de classe e profissionais da área precisam se esforçar mais para compartihar informação séria e correta nas mídias sociais, para evitar que aventureiros se apossem da comunicação através das novas tecnologias que estão surgindo com a inteligência artificial. Se não usadas corretamente, elas podem facilitar a propagação de informações danosas à saúde pública. A interpretação correta de dados científicos e o bom senso mostram cada vez mais a importância da Odontologia na longevidade do ser humano.

Referências

  1. Dying from dirty teeth. Why the lack of proper oral care is killing nursing home residents and how to prevent it. Angie Stone, RDH, BS. Oceanside: Indie Books International, 2015.
  2. Ehrenzeller S, Klompas M. Association between daily toothbrushing and hospital-acquired pneumonia: a systematic review and meta-analysis. JAMA Intern Med 2024;184(2):131-42.