Em entrevista, Maurício Cardoso debate a atuação interdisciplinar e o planejamento integrado envolvendo Ortodontia, Implantodontia, Periodontia e Prótese Dentária.
Com uma trajetória de mais de três décadas tratando casos de alta complexidade, o ortodontista Maurício Cardoso tem experiência em atuação interdisciplinar, do planejamento integrado ao tratamento, envolvendo Ortodontia, Implantodontia, Periodontia e Prótese Dentária. Em conversa com a equipe da ImplantNews, o especialista debate temas relevantes, como agenesia de incisivos laterais, ferramentas digitais, dentes decíduos problemáticos e o momento ideal para colocação de implantes dentários. Abaixo, reproduzimos o áudio e a íntegra da entrevista:
Entrevista com Maurício Cardoso
- Agenesia de incisivos laterais: como você aborda esta questão nos dias atuais com os implantodontistas?
Sempre que pensamos em ausência dentárias nessa região, tanto nos pacientes em crescimento quanto nos adultos, há duas hipóteses de tratamento: fechamento ou abertura de espaços. Cada uma com suas vantagens e desvantagens. Isto depende da existência de discrepância dentária (apinhamento), relação oclusal, e o fator principal: a face do paciente. A Ortodontia é controversa nesse aspecto. Existem profissionais que somente fecham espaços, enquanto outros trabalham com a manutenção em pacientes jovens ou abertura de espaços para colocação de implantes dentários. O padrão facial é o que determina essa escolha. Já é consenso na literatura: em pacientes com ausências dentárias, todos os outros dentes da boca têm largura mesio distal reduzida, o que chamamos de simplificação morfológica.
É raro termos um paciente com agenesia e apinhamento. Há características específicas nesses pacientes que, na minha opinião, limitaria muito a indicação de fechamento de espaço. Toda vez que fechamos espaços, a tendência é deixar o paciente mais retruso. Jogamos contra o patrimônio. Em pacientes com agenesias, o tratamento seria a protrusão dentoalveolar. Pacientes com agenesia já tem a retrusão como característica, com lábios finos e ângulo násio labial aberto. A meta terapêutica seria fechar o ângulo NLB e criar condição dente osso razoável para suportar os tecidos moles já pensando no envelhecimento.
Mas nada é perfeito. Nas agenesias bilaterais, há flexibilidade entre fechar e abrir, embora a minha preferência seja sempre abrir. Mas nas agenesias unilaterais, há chance de deixar o arco assimétrico. Do lado da agenesia, teremos o canino na posição do lateral, o pré-molar na posição do canino, e o molar em Classe II. Do lado normal, a tendência do arco é ficar assimétrica.
Ainda há o pré-molar funcionando como canino, a desoclusão, há uma adaptação não natural. Por isso prefiro a reabilitação com implantes dentários, mesmo com o risco de saucerização e perda da estética vermelha, mesmo lindando com pacientes jovens. Mas a perio-prótese me dá tranquilidade nesse aspecto.
Muitos profissionais da orto dizem que estou condenando o paciente a usar implantes, mas acho o contrário. Já retratei muitos pacientes que se arrependeram porque fecharam o espaço. Atualmente, é possível reverter esse quadro usando as mini-placas.
Eu trabalho sempre em contexto transdisciplinar. Essa decisão é participativa com os pais do paciente. Isto tem um caráter genético (dental anomaly patterns). Pais e tios passaram por alguma experiência e isso influencia o caminho a ser percorrido.
- Crescimento craniofacial x momento para colocação de implantes dentários: como você vê essa situação à luz da ciência e da clínica?
Segundo professor P-I Brånemark, a idade ideal para instalar implantes em pacientes seria “as late as possible”, ou seja, o mais tarde possível. À luz do conhecimento ortodôntico há um trabalho (Hägg e Taranger – American Journal of Orthodontics, 1982) mostrando o critério de avaliação de idade óssea pelos ossos longos, ou seja, o punho. Na verdade, nós deveríamos avaliar isso pelo fêmur, o osso mais longo do corpo. O punho é o segundo mais longo. Assim, instalar implantes dentários quando a epífise e a diáfise do rádio estivessem completamente fusionadas. Isso, de acordo com o trabalho de Taranger é denominado estágio jota.
Nesse trabalho ele diz: muitas medidas craniofaciais pós cedem o surto do crescimento estatural. Então muitos indivíduos terminam o crescimento estatural e as medidas craniofaciais continuam se alterando. Essa condição em um paciente que fez reabilitação com implantes na região anterior gera grandes problemas porque o implante é uma anquilose e os dentes sofrem erupção passiva contínua.
Com a mastigação e desgaste, esses dentes tendem a extruir, mas os implantes não. Então, em um paciente com crescimento pós reabilitação anterior, ele passou por um processo de erupção passiva ativa.
Nós vamos ter sérios problemas estéticos no futuro, quase insolúveis, sem correção, a não ser que eu intrua o dente vizinho, o dente adjacente, e para isso deve haver uma indicação ortodôntica com excesso e disposição gengival.
Nos outros casos são problemas quase insolúveis. E aí devemos ficar muito atentos, lembrando que alguns padrões faciais apresentam uma quantidade maior de erupção passiva em relação a outros pacientes. Isso a gente sabe do ponto de vista clínico, não sei se há artigos comprobatórios.
Por exemplo, nos pacientes braquifaciais, pela tendência de apertamento, a tendência de extrusão ou erupção passiva é menor em comparação a um paciente dolicofacial.
Por exemplo, os pacientes dolicofaciais não têm selamento labial, eles não encostam tanto os dentes, e a tendência desses pacientes é fazer mais erupção passiva em relação ao padrão do crescimento antagônico (braquifaciais).
Por sorte, a maioria dos pacientes que apresentam agenesia são pacientes braquifaciais. Então, felizmente, por Deus, o anjo da guarda acaba protegendo a maioria desses pacientes que fazem esses protocolos de reabilitação precoce final, onde se não tomarmos cuidado teremos problemas, ainda mais em área estética. Na região posterior, em tese, teríamos mais flexibilidade com o timing.
Uma das alternativas é a instalação de implantes temporários, em vez de uma reabilitação definitiva. São implantes normalmente ortodôndicos (DATs), produzidos com um titânio de menor grau de pureza, sem tratamento de superfície, para que sua explantação seja mais fácil, ou seja, a osseointegração é menos intensa. Isso facilita a remoção do implante temporário para a reabilitação com o implante definitivo. Esse implante temporário, em termos de manutenção óssea é efetivo tanto no sentido vertical quanto em espessura.
Quando nós colocamos esses implantes perpendicularmente em relação ao alvéolo, a tendência de manutenção óssea é maior. O artigo da Bert Mielsen e outros trabalhos colocam os DATs como se fossem implantes convencionais.
Já nos implantes ortodônticos (tem 2mm de espessura por 10-14mm de comprimento, a grande dificuldade é ter o abutment; não existe abutment para segurar bem a prótese. Os ortodontistas usam isso com improviso, gerando mais placa bacteriana, risco de inflamação e perda óssea.
Então, como subterfúgio, eu tinha aqueles implantes da IntraLock®; são implantes mesmo de fato (2 x 10mm), que eram colocados para facilitar uma possível explantação futura e uma reabilitação definitiva com implantes osseointegrados.
- Verticalização de molares: o que você faria e não faria?
Aqui, normalmente pensamos nos primeiros molares inferiores perdidos, com os segundos molares angulando a coroa para mesial. A minha indicação é nunca fechar o espaço. O osso mandibular é mais rígido, mais cortical, a movimentação ortodôntica será mais dificultosa.
Ainda, há bolsa periodontal na mesial. A minha indicação sempre é verticalizar os primeiros molares e abrir espaço para colocar os implantes dentários. Muitos ortodontistas optam por caminhos mais difíceis: verticalizar e fechar o espaço, trazendo o segundo molar para o lugar do primeiro molar, aproveitando o terceiro molar quando está presente. Essa mecânica é mais demorada, mesmo se for uma ancoragem esquelética.
Nesse aspecto, a anatomia da sínfise dificulta muito. Se trouxermos um dente da região posterior para anterior, os efeitos colaterais também são maiores. Ao trazer os molares para mesial, a tendência será provocar uma retrusão dentoalveolar na região anterior inferior. Quando os implantes não eram uma opção, as mecânicas ortodônticas “heroicas” tinham indicação. Hoje, não mais.
Eu uso da própria ancoragem esquelética para verticalizar esses molares, com intrusão na mesial e extrusão na cúspide distal, com mínimo de efeito colateral em termos de extrusão dentária porque pode gerar contato prematuro, fulcro, e agravar uma oclusão desfavorável.
Antes de terminar esse movimento, fazemos a instalação do implante e uma coroa provisória, para termos controle biomecânico maior sobre o segundo molar. Obviamente, nesses pacientes extraímos os terceiros molares para verticalizarmos os segundos molares.
O tratamento é mais rápido, assertivo, e mais estável. Como a tendência de recidiva no segundo molar é mesializar, já teremos a coroa sobre o implante dentário. Com isso, quero dizer que a Implantodontia e Ortodontia deve caminhar juntas: não é finalizar a Orto e depois mandar para a cirurgia.
- Quais são as ferramentas digitais de sua preferência no planejamento integrado ortodontia-implantodontia?
O termo “Odontologia Digital” está muito estigmatizado. Na Ortodontia, considera-se como “Odontologia Digital” o escaneamento dos arcos. É um equívoco absoluto.
Eu utilizo a Odontologia Digital no escaneamento de todos os meus pacientes ortodônticos, mesmo porque os centros de documentação (Radiologia) usam essa máquina há algum tempo, evitando os modelos zocalados.
Hoje, com um simples escaneamento, os modelos são impressos. O tempo para finalizar a documentação ortodôntica diminuiu bastante.
Na minha concepção, Odontologia Digital é um diagnóstico ortodôntico bem feito. Nós sabemos de todas as limitações dos exames bidimensionais: a telerradiografia e a panorâmica.
Atualmente, faço o diagnóstico craniométrico tridimensional em 100% dos meus pacientes jovens e adultos. Solicitamos uma tomografia computadorizada de feixe cônico (TCFC).
Há empresas que enviam seus protocolos craniométricos para: presença de assimetrias, quantidade de desvio total, espaço aéreo, alteração do plano oclusal, a posição condilar, fulcros, corticalização dos côndilos, processos degenerativos. Tudo isso não pode ser feito com exames bidimensionais.
Os exames tridimensionais agregaram muito no planejamento integrado entre Ortodontia, Implantodontia, e a Prótese, já que há muitos insucessos pela falta de cuidado básico nesse diagnóstico.
Hoje, também associamos as ressonâncias magnéticas para vermos a posição e saúde dos discos articulares, descobrindo pacientes com deslocamento de disco (com ou sem redução), conseguindo evitar certos movimentos e darmos um prognóstico mais realista após a reabilitação.
Essas ferramentas deveriam ser de conhecimento e uso cotidiano de qualquer equipe reabilitadora. Alguns profissionais entendem que o diagnóstico ortodôntico é clean check: fazem um escaneamento e um setup de movimentação ortodôntica. Isso não é diagnóstico.
Por exemplo: na reabilitação de um paciente com cant maxilar: supondo que ele tem uma assimetria, o côndilo direito cresceu mais do que o esquerdo, a mandíbula desviou para o lado esquerdo, a região superior do lado direito extruiu. Vamos reabilitar esse paciente com próteses em porcelana e ele é bruxômano. Essa assimetria só pode ser vista na craniometria, mas nunca no diagnóstico bidimensional. Ainda, qual seria a probabilidade de estabilidade de uma reabilitação assim?
Vamos avançar um pouco: se o paciente tiver um deslocamento de disco sem redução do lado esquerdo e com processo degenerativo condilar. Esses pacientes “não ajustam” quando fazemos reabilitações com porcelana. Eu jamais faria com esse material em pacientes com degenerações articulares.
Então, o diagnóstico vai muito além. Infelizmente, muitos fazem reabilitação ao léu sem o diagnóstico correto. Estamos negligenciando características esqueléticas (assimetrias, processos degenerativos) e esse protocolo de reabilitação tem um custo alto. Tempos depois, degenerações não diagnosticadas aumentam e geram próteses de côndilo, como observei centenas de vezes.
- Pacientes adultos com dentes decíduos problemáticos: em quais situações a Implantodontia poderia te ajudar?
Dentro dos dental anomaly patterns (DAPs – Padrões de Anomalias Dentárias), além das ausências de dentes permanentes, erupção ectópica de caninos, erupção distal dos segundos pré-molares, hipoplasia de esmalte, a simplificação morfológica dos dentes permanentes, temos a retenção prolongada dos dentes decíduos.
Vale lembrar: o processo de apoptose (morte celular programada) do dente decíduo pode ocorrer a qualquer momento, e não será a presença do germe do dente permanente no folículo que irá gerar essa rizólise.
Nesses pacientes, esses decíduos ficam na boca por muitos anos. Por exemplo, os caninos decíduos com os caninos permanentes impactados; vários pacientes tem a persistência do primeiro ou mais comumente, dos segundos molares decíduos.
Na minha opinião, a Odontologia deve ser resolutiva, evitando mecânicas de estabilidade ruim. A opção seria extrair o dente decíduo e colocar o implante dentário assim que possível.
Obviamente, quando o paciente está em crescimento e temos essa persistência de dentes decíduos na região posterior, quanto mais mantivermos esse dente melhor, até que o paciente ultrapasse o crescimento ativo (20-21 anos). Se for possível, preservamos esses dentes para futura extração e reposição.
Eu sei que alguns pais ou parentes têm relutância em extrai-los porque essas anomalias têm um background genético muito grande. Daí, finalizamos o tratamento ortodôntico mantendo, por exemplo, esses segundos molares decíduos. Mas eu aviso o clínico que acompanha esse adolescente para ficar atento à inflamação na região cervical desses dentes. Processos inflamatórios em dentes decíduos geram perda óssea.
Então, esses pacientes precisam ser muito bem acompanhados, em controles clínicos e radiográficos semestrais. Ao menor sinal de alteração na coloração gengival e/ou mobilidade, o profissional deve ser procurado para reposição, mesmo que não seja na fase ideal do crescimento.
Na região posterior, conseguiremos camuflar qualquer problema estético aumentando o tamanho da prótese, caso haja um processo de extrusão passiva ou algum crescimento.
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