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A solução flexível das cerâmicas híbridas

Mesmo com as vantagens das cerâmicas vítreas ou policristalinas, merece destaque também o desenvolvimento de cerâmicas híbridas, que são materiais acrescidos de algum polímero.

Há alguns anos, as cerâmicas têm sido o material de escolha dos cirurgiões-dentistas para as reabilitações funcionais e estéticas. Mesmo com as diversas vantagens das cerâmicas vítreas (como as porcelanas e o dissilicato de lítio) ou policristalinas (à base de zircônia), merece destaque também o desenvolvimento de materiais híbridos, que são cerâmicas acrescidas de algum polímero.

Atualmente estão disponíveis dois tipos de materiais híbridos: com carga dispersa, como o Lava Ultimate (3M Espe), GC Cerasmart (GC) e o Shofu Block HC (Shofu), que possuem matriz resinosa reforçada com partículas de cerâmica (ou nanocerâmica); e a cerâmica infiltrada por polímero (PIC, do inglês polymer-infiltrated ceramic), como a Vita Enamic (Vita Zahnfabrik)1. Ambos mostram tecnologias avançadas de processamento em que os materiais estão organizados em rede, como a Vita Enamic e a GC Cerasmart. Entretanto, a cerâmica infiltrada por polímero é composta por um arcabouço cerâmico (86% da composição total) entrelaçado com polímero (14% de polímeros, como UDMA e TEGDMA), o que a diferencia das demais cerâmicas híbridas do mercado2.

Apesar desses materiais serem totalmente diferentes, a literatura científica mostra algumas propriedades semelhantes entre eles, como baixos valores de dureza e altos valores de resistência à flexão, bem como aceitáveis níveis de propriedades ópticas e integridade marginal3. Em comparação com os demais tipos de cerâmicas vítreas do mercado, a infiltrada por polímero possui menor capacidade de permitir o crescimento de trincas em sua estrutura, quando comparada às vitrocerâmicas, como (di)silicato de lítio2. A capacidade de usinabilidade destes materiais, ao passarem por um processo de fresagem em sistema CAD/CAM, também é superior às cerâmicas feldspáticas. Após serem fresadas, as cerâmicas híbridas mostram bordas mais precisas e melhor adaptação marginal interna e externa, o que pode indicar maior integridade marginal apesar de se tratar de um estudo in vitro4.

Quando nos voltamos aos estudos clínicos, são mostradas taxas de sobrevivência de 97% após três anos de acompanhamento em comparação a 90,7% da cerâmica feldspática, considerando restaurações parciais do tipo onlays5. A taxa de sobrevivência de inlays de cerâmica infiltrada por polímero é de 97,4%; em restaurações com recobrimento parcial é de 95,6%; e em coroas totais unitárias é de 93,9% após três anos, o que reflete baixas taxas de insucessos6-7.

Outro fator importante é a distribuição de tensões na linha de cimentação de coroas. Quando analisadas em diferentes materiais, foi visto que coroas feitas em cerâmica híbrida (PIC) são menos suscetíveis a fraturas do que coroas feitas em ligas metálicas, como cobalto/cromo, ouro, cerâmicas vítreas, zircônia, alumina, resina composta, PEEK e resina acrílica. Isso sugere que esse material pode apresentar melhor comportamento mecânico para ser a primeira indicação para coroas posteriores8. Além disso, seu bom comportamento em restaurações do tipo tabletops (occlusal veneers) foi comprovado in vitro, sendo que, quando feitas com PIC, são transmitidos à estrutura dental menores níveis de tensão, favorecendo a indicação deste material para todos os tipos de casos, incluindo os preparos parciais (como o caso clínico apresentado a seguir)9.

Portanto, não existem dúvidas quanto ao comportamento mecânico das cerâmicas híbridas, apesar de existirem algumas variações dependendo da sua composição e estrutura. Por exemplo, a cerâmica infiltrada por polímero tem comportamento inferior ao dissilicato de lítio e à zircônia, frente à vida em fadiga com altas cargas (em torno de 500 N). Entretanto, ao analisar cargas em torno de 200 N, que são compatíveis fisiologicamente, a PIC possui alto desempenho, superando as cerâmicas feldspáticas que já são bem estabilizadas no mercado e na literatura10.

Uma dúvida constante dos clínicos é quanto ao desgaste dos materiais híbridos, levando em conta seu conteúdo polimérico. Blocos para CAD/CAM de resinas compostas, cerâmicas vítreas e híbridas foram avaliados com uma simulação de desgaste contra dentes naturais, e os resultados revelaram que a cerâmica feldspática (Vita Mark II, Vita Zahnfabrik) mostrou menor desgaste superficial, seguida pela resina nanocerâmica (Lava Ultimate), PIC (Vita Enamic) e resinas compostas. Ao analisar as superfícies de desgaste, foram observadas superfícies mais lisas para a resina nanocerâmica do que para PIC, que estava mais rugosa11.

Associado à resistência ao desgaste, é necessário avaliar o desgaste do dente antagonista – e neste ponto as cerâmicas híbridas promovem menor abrasão. A cerâmica infiltrada por polímero oferece uma taxa de desgaste que pode ser cerca de três vezes menor do que a cerâmica feldspática, por exemplo12, o que também pode ser visto quando comparamos a resina nanocerâmica (Lava Ultimate) com o dissilicato de lítio (IPS e.max Press e IPS e.max CAD, da Ivoclar Vivadent), em que o dissilicato promove maior desgaste ao antagonista13. Entretanto, ao serem comparadas as diversas cerâmicas vítreas, resinas compostas e cerâmicas híbridas (Lava Ultimate e Vita Enamic), não houve diferenças significantes em relação ao esmalte fisiológico e natural13, portanto todas podem ser utilizadas de forma confiável mesmo quando o antagonista é um dente hígido.

Geralmente, todas as cerâmicas são recobertas com maquiagem e glaze, que melhoram a capacidade estética, a lisura superficial e podem agir como uma camada protetora do material cerâmico abaixo. As cerâmicas híbridas podem receber essas camadas de glaze/maquiagem ou podem ser apenas polidas na superfície. Um estudo recente mostra que a camada de caracterização (maquiagem e/ou glaze) da PIC tem uma pobre capacidade de resistir ao desgaste, sendo 100% removida em simulação de desgaste de 200 mil ciclos, que equivalem a cerca de seis meses de serviço clínico intraoral. Mas, apesar de durar poucos meses em função, essa camada de caracterização é fotopolimerizável, o que permite fácil aplicação/correção em boca, diferente de qualquer outra cerâmica em que o glaze e a maquiagem precisam passar por tratamentos térmicos em altas temperaturas14-15.

O manchamento e a estabilidade de cor das cerâmicas híbridas são pontos importantes a serem considerados. A descoloração dessas cerâmicas (PIC) após envelhecimento e soluções pigmentantes fica entre as resinas compostas e uma cerâmica de dissilicato de lítio, estando mais próxima do pobre comportamento das resinas compostas16-17. É sabido que as características superficiais afetam muito as propriedades ópticas e, após o manchamento, se o polimento for refeito, PIC e resina composta passam a ter níveis de alteração de cor aceitáveis de acordo com a norma ISO, enquanto a cerâmica de dissilicato de lítio retorna à cor inicial sem nenhum prejuízo17.

Ao comparar a estabilidade de cor entre as cerâmicas híbridas, a resina nanocerâmica (Lava Ultimate) mostrou maior alteração do que PIC (Vita Enamic) e GC Cerasmart após imersão em vinho tinto, mas todos os três materiais mostraram valores altos de alteração de cor (ΔE00) após imersão em vinho tinto e café. Quanto à translucidez, resina nanocerâmica e PIC tiveram menor índice após um mês de imersão em vinho tinto, mas, quando os espécimes cerâmicos foram armazenados em água destilada, apenas PIC mostrou maior opacidade. Assim, autores18 concluíram que a resina nanocerâmica tem maior descoloração após um mês. Apesar da PIC ter valores de descoloração superiores aos níveis de perceptibilidade, a resina nanocerâmica possui níveis ainda piores, estando acima do clinicamente aceitável3,18-19.

Para exemplificar, apresentamos o caso clínico de uma paciente do sexo feminino, com 30 anos de idade, apresentando duas restaurações em resina composta deficientes (Figura 1). Em anamnese, foi relatado que havia restaurações em amálgama antigas, substituídas por resina composta que também fraturaram. Ao serem removidas, verificou-se que o volume de dente perdido pela paciente era grande o suficiente para contraindicar a restauração direta.

Por se tratar de restauração parcial do tipo inlay e onlay, em uma área de baixo interesse estético, optou-se pela cerâmica híbrida. Assim, os remanescentes foram adequados para que as paredes vestibulares e linguais ficassem expulsivas, tanto para o sentido oclusal quanto para as proximais (Figura 2). Foi realizado o afastamento gengival com fio e os preparos foram escaneados com o scanner CS 3600 (Carestream), Figura 3. Em seguida, as restaurações foram desenhadas e fresadas no sistema CAD/CAM Cerec Inlab (Denstply Sirona) em uma cerâmica híbrida (Vita Enamic, Vita Zahnfabrik) na cor 1M1, em bloco de alta translucidez (HT), Figura 4.

Por utilizar o processo de cimentação adesiva, foi realizado o isolamento absoluto. Como o dente apresentou vitalidade pulpar, usou-se o condicionamento ácido seletivo em esmalte (Figura 5), não expondo a dentina sadia à degradação superficial com o ácido fosfórico 37%, sendo aplicado nela somente o adesivo universal. As peças cerâmicas foram tratadas com Monobond Etch & Prime (Ivoclar Vivadent). Devido à baixa espessura do material restaurador, foi utilizado cimento resino fotopolimerizável (Variolink Esthetic LC, Ivoclar Vivadent) e, assim, a restauração apresentou bom aspecto final (Figura 6). Antes da fotoativação final, foi aplicado o Liquid Strip (Ivoclar Vivadent) para bloquear a interface adesiva do contato com o oxigênio. A paciente não demonstrou sintomatologia dolorosa.

Por fim, sabemos que a seleção de um material restaurador indireto é interdisciplinar e multifatorial. É necessário analisar o tipo de tratamento, se é exclusivamente estético – como nas facetas laminadas – ou se possui um viés terapêutico mais importante, como nas grandes reabilitações. Também é válido avaliar a quantidade de desgaste, se são coroas parciais (inlays, onlays, overlays e table tops) ou totais sobre dente ou implante, entre outros fatores. Porém, um consenso é que os trabalhos devem ter a longevidade esperada pelos cirurgiões-dentistas e pelos pacientes.

Agradecimentos
Os autores agradecem ao laboratório Attitude Smile e ao Dental Scan, por cederem o scanner na realização do caso clínico, e ao Prof. Dr. Marco Antonio Bottino, por doar os blocos cerâmicos para a confecção do caso.

Referências

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