Em sua coluna de estreia, Nivaldo Vanni destaca os primeiros passos da terapia canabinoide na Odontologia.
A “cannabis medicinal” tem sido um assunto muito propagado recentemente, seja por expectativas desejáveis para tratamentos com prognósticos sombrios, seja por preconceito. Há também uma grande agitação em torno do assunto, que ainda não é estudado por todos os profissionais e que tem a caricata fama de droga, atrelada à exclusão social.
O fato é que a Ciência vem impondo uma nova embalagem para a cannabis. E, com o tempo, esse preconceito deve ser reduzido a padrões inexpressivos. Diante deste contexto efervescente, a revista ImplantNews logo se atentou à importância do tema e criou um espaço para amplificar este debate, ocasião em que eu tive a grande honra de ser convidado para ser o seu colunista.
Nessa estreia, vou falar rapidamente da minha experiência sobre o tema, além de fazer uma revisão dos conceitos da terapêutica canábica. Em nossas edições, focaremos especialmente na Odontologia.
Minha primeira especialidade é Ortodontia e Ortopedia Facial. Logo depois, fiz meu mestrado em Dor Orofacial e DTM (disfunção temporomandibular). Pelo fato de atuar com esses pacientes crônicos em dor, sono deficitário e com alterações cognitivo-comportamentais importantes, recebi um convite de médicos ligados à psiquiatria da Unifesp-EPM e da SBEC para escrever a quatro mãos um capítulo sobre Odontologia no livro “Tratado de Cannabis Medicinal”.
Como discorreremos em breve, a dor crônica é hoje a maior solicitação de importação de canabidiol junto à Anvisa. Para quem não tem acesso a protocolos referendados e replicáveis, a dificuldade em fazer um diagnóstico de dor em DTM é geralmente fadado à tentativa e erro.
Diante disso, a prescrição de canabidiol ganhou uma importância na minha conduta clínica e também com participações em palestras, artigos e cursos, inclusive em pós-graduações. Dividirei com vocês, nesse espaço, temas importantes ligando o canabidiol e a Odontologia.
SISTEMA ENDOCANABINOIDE (SEC)
Durante um estudo dos efeitos psicoativos da cannabis, no final dos anos 1980, foi descoberta a presença de receptores canabinoides, denominados CB1, presentes no SNC e espalhados por todo o corpo humano. Observou-se que o THC se ligava a esse receptor, e essa ligação promovia uma sinalização que regulava o metabolismo corporal.
Com o aprofundamento dos estudos, foi comprovada a existência de um complexo sistema de regulação corporal – o sistema endocanabinoide (SEC) – responsável por manter o equilíbrio entre o sistema nervoso, o sistema endócrino e o sistema imunológico. Além dos humanos, ele também está presente em todos os mamíferos e em alguns invertebrados.
Esse sistema neuromodulatório generalizado desempenha papéis importantes no desenvolvimento do SNC, plasticidade sináptica e resposta a insultos endógenos e estressores ambientais. Ele apresenta grande semelhança ao sistema de modulação opioide, que utiliza as endorfinas como neurotransmissores. Suas moléculas sinalizadoras são denominadas endocanabinoides.
O sistema endocanabinoide possui dois receptores: o CB1, relacionado ao sistema nervoso central, e o CB2, relacionado ao sistema imune. Quando os sistemas se ligam aos neurotransmissores endocanabinoides produzidos pelo corpo, promovem equilíbrio e homeostasia. Em um ambiente homeostático, não há espaço para doenças.
Observou-se, então, que substâncias canabinoides presentes na planta cannabis, os fitocanabinoides, tinham relações e ações análogas aos canabinoides endógenos. Os principais endocanabinoides são a anandamida e o 2-AG, e os principais fitocanabinoides são o THC e o CBD, seguidos do CBN, CBG e THCV, entre outros. Esses fitoelementos ainda se somam a terpenos e flavonoides presentes na planta, que potencializam e individualizam sua ação terapêutica.
INDICAÇÕES NA ODONTOLOGIA
A prescrição de fitocanabinoides está liberada pela Anvisa aos cirurgiões-dentistas e agrega uma ferramenta importante na prática odontológica, além de ser um diferencial aos profissionais que dominarem seu uso. Eles apresentam forte ação analgésica e anti-inflamatória. No entanto, seu grande diferencial é a neuromodulação, trazendo propriedades regenerativas, antimicrobianas, neuroprotetoras, neurogênicas, osteoprotetoras e osteogênicas, entre outras.
Essas características promovem uma extensa indicação na Odontologia, como em casos de dores crônicas, neuropatias, cefaleias tensionais, distúrbios do sono, melhora no controle da ansiedade transtornos de tecidos moles e distonias.
Hoje, já temos acesso a enxaguatórios e cremes dentais para o controle do biofilme e preservação periodontal. Temos, também, ações antioxidantes e antienvelhecimento que fazem uma ótima associação à Harmonização Orofacial, seja por creme, sérum ou óleos. E, no ambiente cirúrgico, as propriedades osteogênicas são muito interessantes para casos de longa proservação.
Esses são apenas alguns tópicos que rapidamente passamos neste primeiro momento, com o intuito de mostrar o grande universo de possibilidades que já surgiram do uso do canabidiol na Odontologia. É importante estarmos atentos para as oportunidades de tratamento que ainda estão por vir, uma vez que os estudos e pesquisas nessa área estão apenas começando.
Nivaldo Vanni Filho
Especialista em Ortodontia e Ortopedia Facial, mestre e especialista em DTM e Dor Orofacial, coordenador da especialização em HOF – IVA/ Facop, Professor do curso de especialização em Cannabis Medicinal – Unifesp/SBEC; Diretor do CT de Odontologia – SBEC.