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Infecções odontogênicas do complexo maxilofacial: uma preocupação antes e após as reabilitações

Jamil Shibli e convidados mostram que as infecções odontogênicas têm origem nos tecidos dentais e periodontais. Confira os cuidados necessários.

Um dos principais temores no complexo maxilofacial são as infecções odontogênicas. É histórica a preocupação dos cirurgiões-dentistas e médicos devido à mortalidade, que chegava a atingir taxas de 54% na década de 1930 nas infecções mais graves, como a angina de Ludwig (infecções que atingem os espaços mandibulares primários de forma bilateral e com elevação da língua)1 . Mais atualmente, as taxas são menores do que 5%, tendo em vista o desenvolvimento de fármacos antimicrobianos (antibióticos), o conhecimento da técnica cirúrgica de drenagem e o tratamento do agente causal de forma rápida. Entretanto, esta ainda é uma realidade na população mais carente e com menos acessibilidade ao tratamento odontológico de qualidade, por isso as infecções se agravam e podem causar a morte dos pacientes.

Independentemente da classe socioeconômica-cultural, os indivíduos que buscam o tratamento reabilitador, como os implantes osseointegrados, devem se atentar às implicações pela ausência de cuidados com a saúde, além do controle da microbiota bucal por meio da higiene bucal e o controle e a prevenção de comorbidades sistêmicas, que predispõem substancialmente as infecções. Portanto, também neste tópico, a prevenção ainda é o melhor “remédio”.

As infecções podem ser classificadas de acordo com a forma de evolução; patógenos (microrganismos causadores); envolvimento das estruturas adjacentes ao tecido dentário; em agudas ou crônicas; presença de vírus, bactérias, fungos ou protozoários; ou estruturas anatômicas envolvidas, como as glândulas salivares, o osso ou o tecido linfático. Além disso, existem sinais clássicos que mostram ao clínico uma possível infecção. Estes irão variar de acordo com o estágio de progressão da doença, mas, de forma geral, podem estar presentes: dor localizada ou difusa, febre, edema, rubor, mal-estar, trismo, dispneia (dificuldade respiratória), disfagia (dificuldade para deglutição), odinofagia (dor ao deglutir) e face tóxica2 (Figura 1).

Uma vez que as infecções são ocasionadas pela instabilidade do hospedeiro (respostas do próprio organismo) e potencialidade dos microrganismos, para o tratamento, que inicialmente é empírico, é fundamental o reconhecimento da microbiota bucal e suas oscilações em função das características dos pacientes e exames laboratoriais (no mínimo, o hemograma). Isso porque os exames de cultura e antibiograma, que guiam a antibioticoterapia por mostrar qual antimicrobiano é eficiente em eliminar as bactérias presentes na infecção, têm um tempo médio para os resultados de sete a dez dias.

Quando o paciente está internado, o exame PCR (proteína C-reativa) é muito importante, mesmo que inespecífi co, por indicar um processo inflamatório sistêmico. Dados acima dos valores de referência representam que o organismo não está hábil para responder à agressão dos microrganismos, seja pelo grau de resistência ou pela imunossupressão do hospedeiro.

Infecções odontogênicas têm origem nos tecidos dentais e periodontais (Figura 2), sendo, na sua maioria, de natureza multimicrobiana. Em homeostase, vivem em harmonia os cocos aeróbios e anaeróbios gram-positivos, e bastonetes anaeróbios gram-positivos3-4. Clinicamente, é possível notar que o organismo é potente para combater as infecções mais brandas. Os microrganismos mais dependentes de oxigênio (aeróbios) e gram-positivos são mais prevalentes, com isso até os antibióticos de menor espectro de ação, como as penicilinas isoladamente, são passíveis de serem utilizados com êxito. Entretanto, com o aparecimento de sinais e sintomas mais impactantes de alterações sistêmicas (febre, mal-estar, trismo e edema considerável) e mais graves (disfagia, odinofagia e dispneia), é necessário ampliar o espectro de ação dos antimicrobianos. De forma simplista, bactérias mais resistentes gram-negativas e não dependentes de oxigênios (anaeróbias) estão presentes. Nesse momento, recomenda-se o uso de penicilinas associadas ao ácido clavulânico (amoxicilina + clavulanato de potássio), cefalosporinas, clindamicina e, em geral, junto com o metronidazol – todos via oral.

É importante compreender que esses são exemplos de antimicrobianos que, de forma empírica, prescrevemos aos pacientes e fazemos o acompanhamento diário, observando a evolução do caso. Além disso, outro fator a ser observado durante a terapia medicamentosa das infecções é que antimicrobianos por via oral devem mostrar algum efeito de resposta clínica nas primeiras 48-72 horas, enquanto o tempo dos endovenosos é de 24-48 horas. Esses parâmetros também são indicadores da necessidade ou não de trocar a medicação durante a antibioticoterapia empírica.

Diante do que foi mencionado, a ampliação do espectro de ação é necessária até, se possível, receber os resultados do antibiograma, quando as infecções são de menor resolução. Com a severidade da infecção e necessidade de administração de antibióticos endovenosos, as cefalosporinas de terceira geração (ceftriaxona), quinolonas (levofloxacino, ciprofloxacino e norfloxacino), aminoglicosídeos e vancomicina são, em geral, utilizados no hospital.

Um aspecto importante para o tratamento cirúrgico das infecções é que, por mais que seja mais fácil a drenagem cirúrgica na fase evoluída (aparecimento do ponto de flutuação – pus logo abaixo da mucosa ou pele), nem sempre há somente microrganismos que produzem pus, mas também gazes. Dependendo do comprometimento dos espaços fasciais (espaços virtuais onde a infecção vai se disseminando), por vezes a drenagem não terá pus advindo desses locais5. Entretanto, permitir um meio de comunicação entre os espaços, levando oxigenação para os tecidos, favorece tanto a evolução da infecção com drenagem de pus quanto a resolução por morte dos microrganismos pelo tratamento local e sistêmico utilizando os antibióticos6.

Após a avaliação clínica e imaginológica, identificando criteriosamente os espaços envolvidos, o cirurgião definirá se a drenagem cirúrgica será realizada intra ou extraoral, ou até mesmo comunicando ambos os meios (intraoral e extra). É importante que o tratamento das infecções envolva antibioticoterapia apropriada, drenagem intra ou extraoral e remoção do agente causal,mesmo fazendo a drenagem e não sendo possível a extração do dente causal nesse mesmo momento ou se outras terapias forem indicadas e o dente puder ser mantido por meio de procedimentos endodônticos ou periodontais6.

A drenagem, seja intraoral ou extraoral, deve iniciar pela anestesia. Se eleita a anestesia local, o cirurgião deve injetar o anestésico de forma circular na derme para as técnicas de bloqueio regional e drenagens extraorais. A incisão deve ter a magnitude da extensão das regiões afetadas. Sempre que possível, recomenda-se realizar pequenas incisões e divulsionar os tecidos dos espaços envolvidos para comunicá-los. E essas regiões serão mantidas comunicadas e afastadas, por meio da instalação de um dreno de penrose (látex) ou um dreno rígido (sondas de polietileno). O dreno deve ser mantido por até 72 horas, já que por ser um corpo estranho pode se tornar um agente para aumentar a infecção6 (Figuras 3).

No pós-operatório, além do controle dos sinais vitais, da evolução da sintomatologia do paciente e da troca dos curativos pelo menos uma vez ao dia (sendo o ideal de duas a três vezes por dia), é importante irrigar as regiões drenadas a partir das incisões com soro fisiológico e solução antimicrobiana, com ênfase o digluconato de clorexidina a 1%, e realizar movimentos de “ordenha” nos espaços envolvidos para estimular a drenagem da infecção6.

As medicações antimicrobianas devem ser mantidas até que os sinais e sintomas tenham remissão, o que geralmente leva 48 horas. Em todas as etapas da terapia das infecções odontogênicas, é fundamental reconhecer as características clínicas que indicam que o hospedeiro não está hábil para combater os microrganismos sozinho, para o início da antibioticoterapia empírica. O diagnóstico dos espaços fasciais envolvidos pela infecção norteia o cirurgião no melhor plano de tratamento cirúrgico, que envolverá a drenagem cirúrgica intra e/ou extraoral, instalação de drenos, remoção do agente causal e suporte do paciente no pós-operatório. Por fim, os sinais e sintomas que indicam maior gravidade, como disfagia, odinofagia e dispneia, são alertas para o atendimento emergencial em nível hospitalar, com medicações endovenosas e a averiguação mais rápida para manutenção das vias aéreas pérvias.

Referências

  1. Williams AC, Guralnick WC. The diagnosis and treatment of Ludwig’s angina – a report of twenty cases. N Engl J Med 1943;228:443-50.
  2. Boscolo-Rizzo P, Da Mosto MC. Submandibular space infection: a potentially lethal infection. Int J Infect Dis 2009;13(3):327-33.
  3. Uluibau IC, Jaunay T, Goss AN. Severe odontogenic infection. Australian Dental Journal Medications Supplement 2005;50(4):74-81.
  4. Peterson LJ, Ellis E, Hupp JR, Tucker MR. Cirurgia Oral e Maxilofacial Contemporânea. Tradução da 4 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.
  5. Olsen I, Winkelhoff AJ. Acute focal infections of dental origin. Periodontol 2000 2014;65(1):178-89.
  6. Miloro M, Ghali GE, Larsenm P, Waite P. Peterson’s principles of oral and maxillofacial surgery (2nd ed.). New York: B C Decker Inc, 2004.