Realidade aumentada, inteligência artificial e robótica: especialistas comentam como os avanços tecnológicos estão revolucionando a Cirurgia Bucomaxilofacial.
De forma global, especialmente na última década, todos os setores do mercado estão passando por transformações geradas pelo avanço de tecnologias. Não é fácil acompanhar tantos lançamentos de hardwares, softwares, equipamentos e aplicativos. Ultimamente, os grandes protagonistas do progresso digital são a inteligência artificial e o metaverso.
Engana-se quem pensa que esse é um universo distante. A área da Saúde está totalmente inserida nesse movimento de inovação e a incorporação de tecnologias de ponta já faz parte da rotina, especialmente no campo das cirurgias. Na Odontologia, um exemplo clássico é o uso de planejamento e workflow digitais. Hoje, os recursos mais modernos são importantes aliados para a correção de distúrbios dentoesqueléticos – sejam simples ou complexos –, sempre visando à melhora funcional e estética do paciente.
As novas tecnologias estão revolucionando a área da Cirurgia Bucomaxilofacial, pois, cada vez mais, melhoram a consistência dos dados obtidos, permitem análises assertivas para propor o plano de tratamento e minimizam o risco de erros na fase de diagnóstico e planejamento, resultando em procedimentos mais eficientes e previsíveis. Outras vantagens são: praticidade, menor tempo cirúrgico, maior controle de todas as etapas, aumento do nível de confiança profissional, menos morbidade e, consequentemente, a recuperação do paciente é mais rápida e menos traumática. A tecnologia tridimensional (3D), por exemplo, permite ao cirurgião bucomaxilofacial visualizar detalhadamente a estrutura do esqueleto facial, preparar guias cirúrgicos precisos e imprimi-los.
Mas, logicamente que o uso de novos recursos e equipamentos depende do domínio de técnicas e da curva de aprendizagem. O profissional estará apto a desfrutar de todos os benefícios da tecnologia, desde que seja bem treinado para isso.
A seguir, especialistas da área de Cirurgia Bucomaxilofacial comentam como os avanços tecnológicos – como realidade aumentada, inteligência artificial e robótica – estão revolucionando esse segmento da Odontologia e como esses recursos podem ser aplicados no dia a dia do clínico.
“A inteligência artificial faz parte da nossa rotina e está presente desde as simples buscas na web até nos softwares de planejamento digital, alertando sobre o paralelismo adequado entre as fixações, no CAD das próteses e já dando o alívio adequado para cada pilar ou material empregado, por exemplo. Realidade aumentada e metaverso são termos que, certamente, estão na moda e farão parte do nosso cotidiano até o final da década. No que diz respeito à Implantodontia, a cirurgia navegada já é uma realidade clínica: falamos que é a evolução da cirurgia guiada estática para a cirurgia guiada dinâmica. Costumo dizer que a cirurgia guiada é como o Waze ou os aplicativos de navegação, pois nos traz muita informação e, depois de experimentar pela primeira vez, sempre vamos sentir falta de utilizá-la. Por exemplo: mesmo conhecendo o caminho e sabendo dirigir, utilizamos o aplicativo de navegação no trajeto diário de ir de casa para o trabalho. Os recursos tecnológicos permitem acessar algo jamais visto antes. É possível recriar digitalmente, e com mais precisão, toda a anatomia do paciente e da área a ser tratada, registrada nos exames de imagem. No Hospital Alemão Oswaldo Cruz, localizado em São Paulo, o cirurgião cardíaco Rafael Otto Schneidewind utiliza a tecnologia de óculos de realidade aumentada, em que é possível visualizar e manusear hologramas sem interferir no campo de visão. Dessa forma, é possível ter acesso digital aos órgãos do paciente, localizar e visualizar lesões, identificar órgãos adjacentes que podem estar afetados e definir a melhor abordagem cirúrgica. Devido à complexidade anatômica e ao acesso restrito ao campo visual da boca, ainda existe certa dificuldade na validação e aplicabilidade destes métodos, contudo é algo que veio para ficar. Desde 2017, a revista científica britânica Nature já publica o uso da realidade aumentada na Cirurgia Bucomaxilofacial. Mas não é preciso se preocupar: os robôs jamais substituirão os profissionais. A pandemia nos ensinou que não tratamos apenas dentes, tratamos pessoas – vemos muitos jovens dentistas dominando todas as tecnologias, porém sem saber conversar ou, ao menos, tocar o paciente. Isso sim realmente faz a diferença.”
Thiago Freire Lima, cirurgião bucomaxilofacial e professor de cursos de especialização e pós-graduação.
“Os recursos tecnológicos disponíveis para o uso do cirurgião bucomaxilofacial simplificam, agilizam e otimizam os protocolos cirúrgicos. Permitem ao profissional um planejamento cirúrgico virtual preciso e possibilitam a todas as partes envolvidas neste processo a visualização do resultado possível antes de executar o tratamento proposto. Também, facilitam a comunicação e o entendimento do paciente, que pode acessar seu smartphone para esclarecer em minutos eventuais dúvidas. Ao mesmo tempo que os softwares otimizam o planejamento e protocolos cirúrgicos, a robótica permite a impressão e a fresagem precisa de guias cirúrgicos, reproduzindo exatamente o que foi planejado, diminuindo consideravelmente o tempo, o trauma e a morbidade trans e pós-operatória, minimizando, prevenindo e até mesmo anulando em muitos casos as intercorrências, os acidentes e as complicações decorrentes da falha humana. Porém, da mesma forma, esta realidade moderna aumenta a responsabilidade profissional na avaliação e no diagnóstico clínico preciso para fornecer dados corretos, pois somente dessa maneira a inteligência artificial e a robótica beneficiam não só a equipe profissional, mas também o principal interessado, ou seja, o paciente. Atualmente, estas ferramentas de trabalho, como softwares, scanners, impressoras e fresadoras, estão gradualmente se tornando acessíveis e presentes no dia a dia da clínica cirúrgica.”
Edgard Franco Moraes Jr., cirurgião bucomaxilofacial e professor de cursos de especialização e pós-graduação.
“Atuo na Cirurgia Bucomaxilofacial há 31 anos e dedico toda a minha atividade às grandes cirurgias reconstrutivas, bem como às grandes mudanças na face e correções estético-funcionais faciais. Estamos vivendo um avanço tecnológico muito importante no que tange aos planejamentos das cirurgias virtuais da face. Posso afirmar que, para a nossa especialidade, não utilizamos mais planejamento em modelos de gesso ou qualquer outro material físico, pois tudo passou a ser virtual, com inteligência artificial que auxilia na manipulação de novos softwares de planejamento 3D e com resultados maravilhosos. Estamos criando articulações e osso, todos impressos em materiais sintéticos 3D, em impressoras de metal e usinagem com robótica para a fabricação destes materiais. Hoje é possível realizar uma cirurgia na face em que foi planejada a reconstrução em software 3D, com material substituto ósseo impresso ou usinado por robótica ou impressoras 3D. Durante o procedimento, pode-se contar com a navegação virtual para a perfeita instalação de estruturas. Também, estamos iniciando uma nova era, usando o Davinci para realizar completamente alguns procedimentos na face, na cabeça e no pescoço com robótica.”
Eduardo Sant’Ana, cirurgião bucomaxilofacial e professor livre-docente da FOB/USP.
“Algo inédito no mundo é uma pesquisa em desenvolvimento no Instituto Mais Identidade e no Programa de Pós-graduação da Unip. Refere-se ao uso da tecnologia digital, com design digital, impressão 3D e robótica para confecção de próteses faciais para reabilitação de deformidades faciais. As próteses tecnológicas são feitas completamente no computador, com modelagem digital por meio de espelhamento de porções normais, impressão direta por meio de impressoras 3D, que imprimem em diferentes cores, e recursos de robótica que geram movimentação de pálpebras e globo ocular a partir de sensores na musculatura e olho remanescente. Essas pesquisas estão em andamento e contribuirão para a fabricação de próteses cada vez mais realistas e estéticas, sendo realizadas em tempo menor, com menos desgaste aos pacientes e profissionais. Poderão ser empregadas no pós-operatório imediato e serem feitas à distância por meio de recursos digitais e transferência de arquivos, possibilitando que muito mais pacientes sejam atendidos, com melhores resultados, menor custo e impactando a qualidade de vida das pessoas.”
Luciano Dib, coordenador do Centro de Prevenção e Detecção de Câncer de Boca da Unip.
“Hoje, o que a área de Cirurgia Bucomaxilofacial tem de mais moderno em uso são as reconstruções implantadas nos maxilares de forma customizada (sob medida), para a reabilitação através de próteses tipo protocolo de Brånemark – tudo foi homologado pela Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa), com registro especial seguindo a Normativa RDC 35. Este tipo de procedimento viabiliza a reabilitação total ou parcial do paciente, isentando a necessidade de enxertos ósseos, mesmo quando não há osso na região de rebordo alveolar, e sabemos que nesta condição é impossível a reabilitação com implantes convencionais. Esta técnica está sendo uma revolução na atual Implantodontia mundial.”
Alecsandro Moura, professor de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial da Universidade de Taubaté.
“As novas tecnologias geram maior segurança, rapidez e precisão nos procedimentos. A realidade aumentada é uma ferramenta cada vez mais usada no treinamento de novos cirurgiões e ensina novas técnicas aos profissionais mais experientes. O navegador cirúrgico permite fazer cirurgias minimamente invasivas com acurácia e pouco trauma. Principalmente na cirurgia ortognática, a tecnologia tem sido utilizada como rotina nos planejamentos virtuais, permitindo planejar e executar a cirurgia virtualmente. Depois, toda informação é transportada para o centro cirúrgico por meio de guias cirúrgicos gerados em impressoras 3D. Ou ainda imprimindo os guias de corte que, em combinação com as placas em titânio pré-dobradas personalizadas, reposicionam os segmentos ósseos com extrema precisão, o que facilita o procedimento e o torna mais rápido, preciso e seguro.”
João Milki Neto, professor de Cirurgia Bucomaxilofacial da UnB.