Restaurações monolíticas têm sido indicadas como alternativa aos sistemas clássicos bicamada na fabricação de próteses livres de metal.
Próteses dentárias fixas totalmente cerâmicas se tornaram uma alternativa de tratamento às próteses metalocerâmicas a partir da evolução na tecnologia CAD/CAM, do aprimoramento de materiais cerâmicos mais resistentes e estéticos, assim como dos avanços da Odontologia adesiva1. As cerâmicas à base de zircônia vêm sendo utilizadas nesse contexto e são caracterizadas por possuírem excelentes propriedades mecânicas, como alta resistência flexural e tenacidade à fratura, devido à microestrutura predominantemente policristalina (Figura 1)2.
Restaurações monolíticas (monolithic ou full-contour), isto é, compostas por um único material cerâmico, têm sido indicadas como alternativa aos sistemas clássicos bicamada (infraestrutura de zircônia recoberta por porcelana estética) na fabricação de próteses livres de metal3. Restaurações com geometrias monolíticas em zircônia (Figuras 2 e 3) permitem preparos dentários mais conservadores e evitam o lascamento (chipping) da cerâmica de cobertura, que é a principal falha de restaurações bicamada4. Devido ao aumento da demanda por estética na prática odontológica, novas zircônias vêm sendo desenvolvidas, apresentando translucidez significativamente maior para seu uso monolítico e aprimorando as propriedades ópticas desse material classicamente conhecido como opaco em função de sua microestrutura2.
A zircônia é um polimorfo que se apresenta na natureza sob três formas cristalinas: monoclínica (m), tetragonal (t) e cúbica (c). A zircônia pura é monoclínica em temperatura ambiente, entretanto as propriedades mecânicas e ópticas dessa fase são insuficientes para o uso clínico e, portanto, óxidos estabilizadores, como ítria (Y2O3), são adicionados para que ela se mantenha em fase tetragonal ou cúbica em temperatura ambiente5-6. A primeira geração – baseada em zircônia tetragonal parcialmente estabilizada por 3 mol% de ítria (3Y-TZP) – tem propriedades mecânicas aprimoradas, alta resistência e tenacidade, e alta opacidade, sendo principalmente indicada para infraestrutura de restaurações recobertas por porcelana2,7. Sua elevada resistência mecânica se deve não apenas à composição com cristais justapostos, mas também ao mecanismo de proteção conhecido como tenacificação por transformação, responsável por dificultar a propagação de trincas para o interior do material8. Quando submetidos a estímulos externos que induzem ao início de uma trinca, os cristais de zircônia parcialmente estabilizados com ítria na forma tetragonal, na região adjacente à formação do defeito, retomam sua forma original monoclínica, que tem como característica o maior volume. Assim, agem comprimindo estruturalmente a trinca em escala nanométrica e dificultando sua propagação através do material2,8.
A segunda geração de zircônia apresenta composição semelhante à primeira geração, entretanto possui uma redução no número e tamanho dos grãos de óxido de alumínio (Al2O3), o que permite maior passagem de luz e, consequentemente, maior translucidez, sendo considerada para uso monolítico pela primeira vez2. Embora adequada para restaurações monolíticas em dentes posteriores, ainda não oferecia estética satisfatória para uso na região anterior e possuía translucidez inferior quando comparada às cerâmicas vítreas, como o dissilicato de lítio2,7.
Dessa forma, a terceira geração de zircônia (4Y-TZP e 5Y-TZP) foi desenvolvida, caracterizando-se pela maior quantidade de óxidos estabilizadores (Y2O3), aumentando a quantidade de grãos de fase cúbica na sua microestrutura. Esses cristais cúbicos (c) apresentam um volume maior quando comparados aos tetragonais (t), permitindo que a dispersão de luz seja menos intensa nos limites dos grãos e, por conseguinte, resultando em um aumento considerável na translucidez do material2. Apesar da melhora nas propriedades ópticas, o aumento da porcentagem de fase cúbica na microestrutura do material promove menor tolerância da zircônia a danos sofridos, assim como diminui ou inviabiliza o mecanismo de “tenacificação por transformação”. Isso se deve sobretudo à incapacidade dos cristais na fase cúbica de sofrer transformação frente a tensões, isto é, inábil a sofrer o mecanismo de tenacificação por transformação. Sob esta perspectiva, há uma redução muito significativa no que tange seu desempenho mecânico, quando comparada às primeiras gerações9-14.
Mesmo assim, ensaios de flexão biaxial de diferentes zircônias apresentam dados de resistência flexural acima dos 500 MPa15. Seguindo a referência da International Organization for Standardization (ISO), isso as classifica entre materiais de classe 4, cuja resistência as tornam indicadas para restaurações monolíticas de até três elementos envolvendo região de molar16. No entanto, essa indicação deve ser avaliada com cautela, sobretudo para zircônias compostas por cristais cúbicos (4Y-TZP e 5Y-TZP), nas quais os valores se tornam limítrofes para utilização em pontes fixas extensas17. De qualquer forma, a utilização como material de escolha para coroas monolíticas unitárias em região anterior ou posterior (ISO6872:2015 – classe 3: 300 MPa) parece bem assegurada pelos dados obtidos em ensaios in vitro9,15,18. A confiabilidade desse material, no entanto, deve ser avaliada dentro do contexto clínico, onde a restauração é submetida a diferentes condições de aplicação de carga e solicitação estrutural. Os dados de longevidade ainda são escassos devido à velocidade de desenvolvimento e colocação no mercado das zircônias de última geração. No entanto, o que se sabe em relação à taxa de falha de coroas monolíticas de zircônia, de maneira geral, é bastante promissor, tendo sido observado apenas 0,54% de ocorrência de fratura após 7,5 anos em um estudo de acompanhamento de 77.411 próteses unitárias19.
Entre os estudos laboratoriais que buscam predizer o comportamento mecânico de zircônias monolíticas, destacam-se aqueles que se propõem a submeter os espécimes a ensaios de fadiga. Nessa condição, é possível obter dados de sobrevivência destes materiais frente às cargas intermitentes, semelhante ao cenário observado na cavidade oral. Autores encontraram valores médios de resistência flexural em fadiga até 39% inferiores quando os resultados foram comparados a ensaios monotônicos (aplicação de carga única crescente até a falha)9. Isso se deve à natureza friável desses materiais que, embora extremamente resistentes, são suscetíveis a falhas catastróficas devido ao crescimento lento e subcrítico de trincas, sobretudo em regiões submetidas à concentração de tensões de tração20. Nesse caso, os resultados provenientes de estudos que empregaram testes estáticos (sem fadiga mecânica) devem ser avaliados com cautela. Ainda, são necessários estudos de longevidade dessas restaurações monolíticas com zircônia cúbica dentro de condições clínicas reais, embora os estudos in vitro sejam encorajadores, demonstrando resultados de resistência e carga para falha igual ou superior às cerâmicas vítreas reforçadas por dissilicato/silicato de lítio (cerâmica vítrea de maior resistência entre as disponíveis no mercado odontológico)21-22.
Se por um lado a resistência parece ter sido negativamente afetada com o aumento de ítria na estabilização dos cristais de zircônia, por outro lado o objetivo principal dessa modificação parece ter conduzido a um resultado favorável: a translucidez das novas gerações foi notavelmente aprimorada2. Como medida de distinção, os fabricantes têm associado aos seus produtos termos como hightranslucent ou HT e ultra-translucent. No entanto, essa nomenclatura deve ser interpretada com restrições, uma vez que esses materiais apresentam propriedades ópticas superiores em relação às versões anteriores, mas isso não ocorre quando comparados às cerâmicas vítreas consagradas nos casos de reabilitações protéticas18,23-24.
Inegavelmente, existe associação entre adesão e longevidade de reabilitação protética. A promoção de adesão química e física (micromecânica) entre a zircônia e os agentes de cimentação é desafiadora, em decorrência da zircônia apresentar uma microestrutura com alto conteúdo cristalino, sendo classificada como cerâmica ácido-resistente devido à ausência de fase vítrea na sua composição25-26. Desta forma, a superfície da zircônia não é suscetível à ação do ácido fluorídrico. Dentre os tratamentos de superfície estudados na literatura, o jateamento com partículas de óxido de alumínio revestidas ou não por sílica (Figuras 4 e 5), associado com primers específicos para cada sistema, fornece uma melhor união mecânica com os cimentos resinosos, sendo o método clínico recomendado para o tratamento de restaurações cerâmicas de zircônia27-28.
Por fim, é importante atentar que o estado da arte aponta para uma nova classe de cerâmica à base de zircônia que vem sendo lançada no mercado odontológico: os blocos multicamadas para fresagem (considerados potencialmente como uma quarta geração desse material), aliando de forma graduada a alta resistência flexural da 3Y-TZP na área de base da restauração e a alta translucidez da 5Y-TZP na área incisal/oclusal para maior estética – tendo variância em suas indicações de coroas unitárias anteriores a restaurações de arco completo. O conhecimento científico sobre seu comportamento frente às cargas mastigatórias segue sendo construído, portanto merece aprofundamento científico e educação continuada29. Há uma corrida evolutiva para tornar esses materiais cada vez mais presentes como alternativa na reabilitação protética na forma de restaurações monolíticas, tanto para casos unitários quanto múltiplos, com a expectativa de previsibilidade mecânica e estética.
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Ana Carolina Cadore-Rodrigues
Doutoranda no programa de pós-graduação em Ciências Odontológicas com ênfase em Prótese Dentária – Universidade Federal de Santa Maria.
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Renan Vaz Machry
Doutorando no programa de pós-graduação em Ciências Odontológicas com ênfase em Prótese Dentária – Universidade Federal de Santa Maria.
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Gabriel Kalil Rocha Pereira
Professor adjunto do Depto. de Odontologia Restauradora (Prótese Dentária), pesquisador e professor no programa de pós-graduação em Ciências Odontológicas – Universidade Federal de Santa Maria.
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Luiz Felipe Valandro
Professor associado do Depto. de Odontologia Restauradora (Prótese Dentária), pesquisador e professor no programa de pós-graduação em Ciências Odontológicas – Universidade Federal de Santa Maria.
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