A matéria de capa da ImplantNews mostra o que a bioinformática faz pela saúde oral, periodontal e sistêmica.
Por Paulo H. O. Rossetti
ANTES DO DNA
Embora a relação entre a saúde bucal e sistêmica tenha uma suspeita de séculos, com passagens pela bíblia e Talmude, os tijolos deste caminho foram pavimentados com mais eficiência nos últimos 500 anos, quando era preciso descobrir a menor unidade e como ela funcionava. Assim, a curiosidade de Zacharias Janssen, perto de 1590, levou ao desenvolvimento do primeiro microscópio. Robert Hooke, em 1665, aprimorou uma destas versões e descreveu as “células” de uma cortiça (em latim, “quartos pequenos”).
Mais tarde, Van Leeuwenhoek, com lentes mais potentes, observou células como o espermatozoide, os fungos e as hemácias. Em 1820, Robert Koch identificou o seu Mycobacterium tuberculosis e também usou uma técnica especial de contraste para demonstrar o vírus da cólera. Os tais seres minúsculos existiam: não estávamos tão sozinhos assim no universo.
Então, em 1891, W. Miller sugeriu, na revista Lancet, que as bactérias da boca (ele isolou o S. aureus e o S. piogenes das bolsas com pus) poderiam provocar doenças sistêmicas. Em 1912, Billings especulou que essas bactérias também causariam artrite reumatoide, endocardite, nefrite e outras patologias. Isso fez com que muitas pessoas tivessem seus dentes extraídos. Mas não era consenso que apenas uma espécie bacteriana causava tudo, e que os medicamentos e curetas disponíveis eram santos remédios. Além disso, 40 anos se passariam até que o elemento fundamental pela vida em todos os seres vivos fosse descoberto.
CHEGA O DNA
Em 1953, Watson e Crick descreveram a estrutura do DNA. Depois, outros pesquisadores mostraram que a partir de um segmento de DNA poderíamos gerar um segmento de RNA e uma proteína. Isso era comum aos seres vivos e podia ser escrito em sequência com reações químicas específicas, mas era um processo mais manual até o final dos anos 1980, quando surgiu a clonagem, as reações PCR e o projeto Genoma Humano. É estabelecido: as máquinas passaram a trabalhar e dar velocidade. E as bactérias? Por meio do sequenciamento do DNA, bibliotecas foram criadas contendo mapas para algumas espécies. Agora, estávamos muito além da coloração da parede bacteriana ou dos métodos de cultivo: podíamos criar “sondas” de identificação e marcar com maior precisão as amostras retiradas de qualquer parte do nosso organismo, inclusive da placa dentobacteriana.
O QUE A BIOINFORMÁTICA FAZ PELA SAÚDE ORAL E SISTÊMICA?
Você já percebeu que há centenas de trabalhos científicos além da raspagem e alisamento radicular, uso de medicamentos e membranas no tratamento das doenças periodontais e peri-implantares, muitas vezes difíceis de serem interpretados. Isso se chama bioinformática. São técnicas computacionais aplicadas ao material genético das bactérias para encontrá-las, diferenciá-las e entendê-las. Ou seja, voltamos às teorias dos anos 1800, mas agora com a chance de olhar diretamente o papel de cada microrganismo no biofilme e na saúde sistêmica. Por exemplo, ao compararmos amostras de placa supra e subgengival, poderemos saber se estão trabalhando em separado ou conjuntamente, o que produzem ou se há disbiose.
O GENE QUE CODIFICA O SEGMENTO 16S DO RNA RIBOSSÔMICO: POR QUE É IMPORTANTE SABER?
As proteínas são montadas nos ribossomos, uma estrutura com formato de 8, onde uma dessas partes é conhecida como 16S. Nas bactérias, o segmento 16S rDNA é o marcador molecular usado como referência na bioinformática para sequenciamento bacteriano, porque: 1) está presente em quase todas as bactérias; 2) é um gene altamente conservado; 3) sua função não muda com o tempo, e quando muda significa evolução; e 4) é suficientemente longo para detectar semelhanças e diferenças entre as espécies de microrganismos. Em resumo, genes são sopinhas de quatro letras. É como se olhássemos ao mesmo tempo para o CPF, o RG e as digitais de cada bactéria (Figura 1).
COLOQUE TAMBÉM NO VOCABULÁRIO: UNIDADES TAXONÔMICAS OPERACIONAIS (OTUs)
A sigla OTU é um produto da metagenômica. Aqui, as sequências do 16S rDNA (as sopinhas de letras) são agrupadas por similaridades. Isso é o mesmo que separar as bactérias por espécies. Então, teremos uma grande árvore genealógica. Desta forma, já são mais de 700 espécies (podendo chegar a 1.200), Figura 2. As OTUs também podem ser apresentadas em formato de porcentagens com um gráfico de barras, dentro das áreas supra e subgengivais.
COLOQUE NO VOCABULÁRIO OS TERMOS DAS CIÊNCIAS ÔMICAS
– Metagenômica: estudo do material genético de todos os microrganismos coletados em uma amostra, ou seja, qual é a composição/abundância deste material sob condições ou doenças diversas, gerando as famosas OTUs:
• Diversidade alfa: variação dentro de uma amostra;
• Diversidade beta: variação entre amostras diferentes.
– Metatranscriptômica: genes são expressos ou não (upregulated/downregulated) sob condições ou doenças diferentes por estes microrganismos;
– Metabolômica: subprodutos (metabólitos) são gerados sob condições diferentes por estes microrganismos.
Ainda, é possível analisar as proteínas (proteômica) e os lipídeos (lipidômica). Mapas integrativos funcionais entre espécies podem ser criados a partir de todos os dados analisados (genes, proteínas, lipídeos, metabólitos). São chamados de mapas de calor (heat maps).
Os mapas de calor são muito úteis também quando comparamos estados de homeostasia e doença, ou seja, podemos ver, por exemplo, se (e quais) genes e proteínas são expressos e em qual proporção.
Referências
1. Miller WD. The human mouth as a focus of infection. Lancet 1891;1:340-2.
2. Billings F. Chronic focal infections and their etiologic relations to arthritis and nephritis. Arch Intern Med 1912;9:484-98.
3. Landmarks in genetics and genomics (genome.gov). [On-line]. Disponível em: https://www.genome.gov/. Acesso em: 12-01-2023.
4. Paster BJ; Boches SK; Galvin JL et al. Bacterial diversity in human subgingival plaque. J Bacteriol 2001;183(12):3770-83.
5. Borgnakkle WS. The travelling oral microbiome. In: Glick M (ed). The Oral-Systemic Health Connection. A guide to patient care. Quintessence Publishing 2019:43-44.
6. Human Oral Microbiome Database. [On-line]. Disponível em: . Acesso em: 12-01-2023.