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(Imagem: Depositphotos)

Procedimento para cirurgia em paciente cardíaco

Eduardo Dias de Andrade detalha os procedimentos farmacológicos adotados para cirurgia de implante em um paciente cardíaco e hipertenso.

A utilização de fármacos é um procedimento rotineiro na vida do cirurgião-dentista. No entanto, algumas situações podem gerar dúvidas, mesmo entre os profissionais mais experientes. Pensando nisso, a partir desta edição, apresentarei alguns casos clínicos de meu acervo para demonstrar a conduta e explicar as decisões adotadas. Veja, a seguir, os procedimentos farmacológicos adotados para cirurgia de implante em um paciente hipertenso e portador de prótese valvar cardíaca.

Apresentação de caso clínico

Paciente do sexo masculino, 57 anos, 82 kg, apresenta ausência do elemento 25 com espaço requerido para a inserção de um implante dentário.

Consulta inicial

História médica: relata ser hipertenso e portador de prótese valvar cardíaca, estando sob acompanhamento médico regular. Faz uso contínuo de metoprolol 100 mg, anlodipino 5 mg e varfarina 2,5 mg. Nega tabagismo e etilismo. Nega alergia a medicamentos. Enfatizou a recomendação do seu cardiologista de que o dentista fizesse contato antes de planejar qualquer intervenção que cause sangramento.

Sinais vitais: pressão arterial de 135 x 82 mmHg, frequência cardíaca de 67 batimentos por minuto, frequência respiratória de 15 incursões por minuto e temperatura de 36,6°C.

Exame físico: apresenta boas condições periodontais e controle do índice de placa dentária. Nenhum sinal local ou sintoma que contraindique o procedimento. Os exames complementares de imagem mostram suporte ósseo adequado em quantidade e qualidade. O exame físico extrabucal não revelou nada digno de nota.

Referir o paciente ao cardiologista:

Solicito informações das atuais condições cardiovasculares e do estado geral de saúde do paciente (nome), com indicação para cirurgia bucal eletiva de baixa complexidade, a princípio programada para o período da manhã do dia (data).

Informo que irei administrar 2 g de amoxicilina (em dose única), uma hora antes do procedimento, para a profilaxia da endocardite infecciosa. Pretendo sedá-lo com alprazolam 0,5 mg e empregar pequenos volumes de uma solução anestésica com epinefrina 1:100.000. Para o controle da dor, irei prescrever dipirona sódica, por tempo restrito.

Peço que me comunique se houver qualquer mudança na medicação anticoagulante ou outras recomendações.

Contra referência do cardiologista:

Paciente é portador de prótese valvar cardíaca, implantada há três anos, sem apresentar complicações recentes, mas de risco para a endocardite infecciosa. Mantém anticoagulação oral com varfarina, com a RNI entre 2 e 3. Atualmente se encontra com a PA controlada e em boas condições clínicas para se submeter à cirurgia bucal.

Concordo com a sedação, sob monitorização com oximetria de pulso e suporte de oxigenoterapia, e com a profilaxia antibiótica. Recomendo:

1. Não suspender a varfarina. Irei solicitar a RNI um dia antes do procedimento;

2. Realizar o procedimento cirúrgico com a melhor hemostasia possível;

3. Evitar o uso do paracetamol e dos anti-inflamatórios não esteroides.

Conduta passo a passo

Um dia antes da a cirurgia
• Fazer contato com o médico para saber o valor obtido para a RNI.
• Se o resultado acusar entre dois e três, provavelmente o paciente será liberado para a intervenção cirúrgica. Confirme a consulta com o paciente para as 10h00 do dia seguinte, com as seguintes orientações:

1. Desjejum com alimentos leves, de fácil digestão;
2. Em seguida, tomar 2 g de amoxicilina (quatro comprimidos de 500 mg), conforme prescrição anterior (receituário comum em duas vias);
3. Comparecer à consulta acompanhado por um adulto, que possa reconduzi-lo ao domicílio em caso de transporte em veículo próprio.

No dia da intervenção, na chegada do paciente ao consultório
• Confirmar se ele tomou 2 g de amoxicilina para a prevenção da endocardite bacteriana. Em caso negativo, faça a administração.
• Administrar um comprimido de alprazolam 0,5 mg.
• Avaliar a pressão arterial, frequência cardíaca e frequência respiratória.
• Orientar o paciente a escovar os dentes e a língua e fazer uso do fio dental, com o objetivo de desorganizar os biofilmes dentários.

Antissepsia extrabucal
• Com solução alcoólica de polivinilpirrolidonaiodada (PVP-I) a 10%, ou solução aquosa de
digluconato de clorexidina a 2%, para pacientes com história de alergia ao iodo.
Nota: os 20 a 30 minutos de avaliação dos sinais vitais, escovação e uso do fio dental, paramentação e antissepsia extrabucal, são suficientes para que o efeito ansiolítico do alprazolam se manifeste e se possa proceder a antissepsia intrabucal.

Antissepsia intrabucal
• Bochechar com 15 ml de uma solução aquosa de digluconato de clorexidina 0,12%, por um minuto.

Anestesia local
• Secar a mucosa na área de injeção e aplicar uma pequena quantidade de anestésico tópico (benzocaína gel 20%) por um minuto. Empregar uma solução anestésica com epinefrina 1:100.000 (articaína 4%, lidocaína 2% ou mepivacaína 2%). Seja qual for a solução escolhida, respeitar o volume máximo de 3,6 mL, equivalente ao contido em dois tubetes anestésicos1.

Medicação analgésica pós-operatória
• Antes de dispensar o paciente, administrar 1 g de dipirona sódica, na forma de comprimidos ou 40 gotas da solução oral “gotas”, e prescrever 500 mg a cada quatro a seis horas, em caso de dor.

Orientações gerais
• Guardar repouso com a cabeça elevada em relação ao resto do corpo, em ambientes frescos.
• Não falar muito.
• Dieta hiperproteica, fria, líquida ou pastosa, nas primeiras 48 horas.

Evitar exposição ao sol e banhos muito quentes
• Orientar cuidados com a ferida cirúrgica, sem deixar de escovar os dentes e a língua de forma cuidadosa. Após a escovação, bochechar suavemente com solução aquosa de digluconato de clorexidina 0,12%, por um minuto, a cada 12 horas, por cinco a sete dias.


Comentários sobre o protocolo farmacológico

• Neste caso particular, a profilaxia antibiótica cirúrgica (que teria por objetivo prevenir uma hipotética infecção dos tecidos peri-implantares) não é necessária, pois o paciente já terá tomado 2 g de amoxicilina para a prevenção da endocardite bacteriana1.

• Por se tratar de um paciente com doença cardiovascular controlada, a escolha do alprazolam se deve ao fato deste benzodiazepínico reduzir significativamente as concentrações plasmáticas de epinefrina e norepinefrina, e a pressão arterial média, por suprimir a atividade das adrenais, além de atenuar as respostas à epinefrina endógena durante a carga emocional2.

• Na técnica infiltrativa subperióstica, com complementação no lado palatino, dar preferência à solução de articaína 4% com epinefrina 1:100.000, pela sua maior difusibilidade1,3.

• A dipirona sódica é o analgésico de escolha para prevenir e controlar a dor de grau leve a moderado, por antagonizar diretamente a hiperalgesia inflamatória (sensibilização dos nociceptores)4.

• Reforçar a recomendação médica de evitar a automedicação com o paracetamol ou com os anti-inflamatórios não esteroides, que podem potencializar o efeito anticoagulante da varfarina, aumentando o risco de hemorragia.

Referências

  1. Andrade ED, Volpato MC. Parte III – Anestesia local e uso de medicamentos no atendimento de pacientes que requerem cuidados adicionais: Portadores de doenças cardiovasculares. In: Andrade ED. Terapêutica medicamentosa em odontologia. (3ª ed.) São Paulo: Artes Médicas, 2014. p.175-91.
  2. Van den Berg F, Tulen JH, Boomsma F, Noten JB, Moleman P, Pepplinkhuizen L. Effects of alprazolam and lorazepam on catecholaminergic and cardiovascular activity during supine rest, mental load and orthostatic challenge Psychopharmacology (Berl) 1996;128(1):21-30.
  3. Malamed SF. Handbook of local anesthesia. (6ª ed.). St Louis: Elsevier, 2013.
  4. Lorenzetti BB, Ferreira SH. Mode of analgesic action of dipyrone: direct antagonism of inflammatory hyperalgesia. Eur J Pharmacol 1985;114(3):375-81.