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Implantando verdades: desvendando a pseudociência na Odontologia em meio às redes sociais

Coluna ressalta que uma simples busca por meio da ciência ensina que os implantes de titânio são inertes e não reagem às ondas eletromagnéticas de maneira a causar aquecimento.

No universo do conhecimento odontológico, há uma crença insidiosa que, assim como um dente cariado escondido nas profundezas da gengiva, se infiltra sorrateiramente a ideia de que a ciência é apenas um acessório decorativo, uma parte insignificante no vasto sorriso da Odontologia. Enquanto alguns podem rejeitar a luz da evidência científica em favor de charlatanismo virtual, é imperativo reconhecer que a pseudociência não é uma prótese funcional para o avanço da nossa profissão. Na vastidão de informações que são propagadas por inúmeros canais que ficam à disposição de todos, a pseudociência abrange diversos aspectos da vida humana e se fundamenta em práticas, experiências e crenças, desafiando a noção de que a ciência é apenas um incômodo coadjuvante no palco do progresso odontológico.

Alguns destes propagadores de informações, que não guardam nenhum cuidado ou respaldo científico, buscam solucionar questões físicas ou psicológicas, enquanto outros explicam fenômenos naturais. No entanto, a pseudociência não pode ser analisada pelo método científico, carece de corroboração e frequentemente recorre a evidências seletivas. Baseia-se em elementos sobrenaturais ou imateriais para sustentar teorias. Embora alguns hábitos saudáveis possam estar envolvidos, é crucial não confundir pseudociência com a ciência. Informações detalhadas são necessárias para compreender seus efeitos e consequências, pois a pseudociência pode levar ao abandono de terapias médicas eficazes.

Assim, os rumores que ecoam nas redes sociais são como cáries de informação, corroendo a verdade com suas falácias.

O mais recente espetáculo tem propagado a ideia de que as ondas de rádio dos celulares aquecem os implantes dentários de titânio na boca em até 6ºC. Parece mais uma obra de ficção científica do que uma análise baseada em fatos. Uma simples busca por meio da ciência, entretanto, nos ensina que os implantes de titânio são inertes e não reagem às ondas eletromagnéticas de maneira a causar aquecimento.

O titânio, amplamente utilizado na Odontologia para implantes dentários devido à sua biocompatibilidade e resistência à corrosão, é frequentemente mal compreendido quando se trata de interações com ondas eletromagnéticas. Contrariando os boatos infundados que circulam nas redes sociais, estudos científicos robustos demonstraram consistentemente que o titânio não responde significativamente às ondas de rádio emitidas pelos dispositivos celulares a ponto de aumentar sua temperatura. Isso significa que não são suscetíveis a interferências significativas provenientes de fontes externas de energia eletromagnética, como as usadas em dispositivos móveis. Portanto, é fundamental reconhecer que tais alegações carecem de fundamentos científicos sólidos e devem ser abordadas com a devida cautela, garantindo que a verdade prevaleça sobre o sensacionalismo. É possível ler mais detalhes no texto¹ dos professores Paulo Rossetti e Carlos Nelson Elias, com o QR Code ao final desta coluna.

E já que falamos de magnetismo, não nos esqueçamos dos ímãs, esses pequenos heróis do mundo da pseudociência, frequentemente aclamados como a solução mágica para todos os tipos de problemas. No entanto, quando se trata de aliviar a dor pós-operatória da cirurgia de implantes dentários, sua reputação de “curandeiros magnéticos” é um tanto exagerada. Enquanto alguns juram que esses pedacinhos de metal podem reconfigurar nossos campos magnéticos e banir a dor, a ciência não parece estar a bordo desse trem magnético. Até o momento, estudos sérios não conseguiram encontrar nenhum sinal de que os ímãs podem fazer mais do que grudar na geladeira. Então, antes de sair por aí com um ímã preso ao rosto na esperança de uma recuperação milagrosa, talvez seja melhor confiar em métodos de alívio da dor que têm mais de substância científica. Afinal, nada supera um bom analgésico e uma bolsa de gelo para aliviar o desconforto pós-cirúrgico.

Um artigo² publicado por discentes e docentes do mestrado em Odontologia Legal da Faculdade São Leopoldo Mandic, intitulado “Psiconeurodontologia, (bio) decodificação dental e os mil e um nomes para o charlatanismo odontológico no século 21: uma revisão de escopo”, os autores encontraram um total de 4.785 estudos, mas apenas dois deles tinham alguma relação com a psiconeurodontologia. No entanto, esses dois estudos eram trabalhos acadêmicos de estudantes de graduação e não eram muito confiáveis. A pesquisa concluiu que, até o momento, não há evidências científicas sólidas que apoiem a ideia de que os dentes podem revelar detalhes do nosso passado pessoal ou emocional. Isso também significa que não é apropriado aplicar essas ideias na prática odontológica. Além disso, lembram que o Código de Ética Odontológica proíbe o uso de técnicas ou métodos que não foram comprovados pela ciência, incentivando os profissionais da Odontologia a combaterem a disseminação de informações pseudocientíficas na área. É importante notar que, após sua publicação, o artigo se tornou o mais lido na história da Revista Brasileira de Odontologia Legal em apenas uma semana.

Em um mundo onde a informação pode ser tão volátil quanto um dente sem suporte ósseo, é fundamental separar os fatos das ficções, especialmente quando se trata da saúde bucal das pessoas. Enquanto a pseudociência pode oferecer um espetáculo cativante, é a ciência que sustenta os alicerces da prática odontológica, garantindo tratamentos seguros e eficazes para os pacientes. Portanto, ao enfrentar os rumores e mitos que permeiam a Implantodontia e outras áreas da Odontologia, lembremos sempre do nosso compromisso com a verdade, da nossa devoção à evidência e, é claro, de manter um sorriso no rosto, mesmo quando confrontados com as ideias mais estranhas. Afinal, no mundo da Odontologia, a ciência é o verdadeiro guia, e a verdade e a ética profissional sempre reinarão sobre a superstição.

Sugestões de leitura:


O implante de titânio “esquenta” se usarmos o celular? [On-line]. Disponível em <https://www.paulorossetti.com.br/post/o-implante-detit%25C3%25A2nio-esquenta-se-usarmos-o-celular>.
Ferreira JRM, Albertini C, Moreira DD, Silva RF, Franco A. Psiconeurodontologia: charlatanismo odontológico? Rev Bras Odontol Leg RBOL 2023;10(2):2-17.