Transição digital na Odontologia: Oswaldo Scopin destaca que independente do fluxo ou processo utilizados, a oclusão e a função precisam de validação e controle.
Há uma corrente entre profissionais de áreas da Saúde de que estamos em fase irreversível de total digitalização de processos, inclusive diagnóstico oclusal, de reabilitações orais e planejamentos complexos. Particularmente, eu não acho que este processo irá ocorrer como um tsunami sobre a Odontologia.
Vou usar como exemplo a minha área de atuação. Em relação à Prótese Dentária e à Reabilitação Oral, é comum ouvirmos a expressão “planejamento 3D” quando o profissional utiliza softwares de enceramento diagnóstico e desenho do sorriso. As imagens obtidas através de fotos, do escaneamento de face, intraoral e de modelos servem de base para um enceramento digital e planejamento de casos dos mais variáveis graus de complexidade. A questão é que, enquanto estes casos estiverem dentro de dentro de um software e sendo mostrados em uma tela, esse caso não é 3D. Esse caso somente será tridimensional quando estivermos com ele em mãos, impresso e montado em um articulador.
Dentro da Odontologia Digital, a evolução mais contundente foi o planejamento de implantes e a confecção de guias cirúrgicos baseados em uma coletânea de dados vindos de várias fontes. Entretanto, quando lidamos com reabilitações sobre dentes, com o conceito de preservação de estrutura e redução de desgaste, ainda temos um caminho a percorrer quando consideramos os fatores função e oclusão.
O planejamento e a execução de casos parciais que utilizam a máxima intercuspidação habitual (MIH) como referência são usados como exemplo de como a Odontologia Digital evoluiu. Casos assim são de fácil execução para profissionais treinados e com experiência básica em próteses.
A explosão de casos de desgaste dental em pacientes jovens, em que a reabilitação com alteração de dimensão vertical de oclusão se faz necessária, levantou a discussão do cuidado e do refinamento no planejamento com finalidade de melhoria funcional e conservação de estrutura dental.
Nos casos mencionados, para pacientes dentados, é imprescindível utilizar a relação cêntrica (RC) como referência inicial. Assim sendo, o registro não envolve os toques dentais que são de fácil checagem quando utilizamos a MIH. O registro em RC é geralmente realizado utilizando como referência dispositivos como jigs e desprogramadores com toques na região anterior. Desta maneira, mesmo com registros precisos das áreas posteriores sem toque, a certeza da posição articular é incerta. E isso não importa se o profissional utiliza o fluxo digital ou o protocolo tradicional, dito analógico.
Por essa razão, todo e qualquer protocolo deve envolver passos para a checagem da oclusão e da estética em fases que precisam de validação em cada uma das etapas do processo reabilitador. Por isso, o articulador semiajustável (ASA) real, analógico, é indispensável como parte do processo de desenvolvimento da oclusão, checagem e validação das etapas, não importando se o processo é digital, analógico ou híbrido.
O processo híbrido é o que eu entendo como o mais seguro e prático nessa fase de transição digital, em que processos tradicionais se beneficiam da qualidade de captura de imagem dos escâneres intraorais, laboratoriais, fresadoras de alta performance, qualidade dos softwares, evolução das impressões 3D e tudo mais que temos disponível. Porém, não podemos esquecer que a qualidade dos materiais de moldagem, o know-how e o conhecimento que temos do gesso e das técnicas de injeção e estratificação das cerâmicas, são de domínio de laboratórios e clínicas há décadas, que entregam trabalhos de excelência com documentação científica extensa.
Atualmente, temos uma variação incrível de possibilidades no planejamento e execução de reabilitações. Mas não importa o fluxo ou processo utilizados: a oclusão e a função precisam de validação e controle. Sendo assim, o articulador semiajustável é indispensável neste processo. A validação 3D de uma reabilitação deve ser realizada no articulador “físico e analógico”.
Oswaldo Scopin de Andrade
Mestre e doutor em Clínica Odontológica e Prótese Dentária – Unicamp; Pós-graduação em Prótese e Oclusão – NYU College of Dentistry, EUA; Coordenador do curso de especialização em Odontologia Estética – Centro Universitário Senac/SP.
Orcid: 0000-0002-0857-4629.