A Odontologia Digital mudou conceitos e trouxe novas técnicas e interações no dia a dia do clínico. Afinal, quais são os limites das indicações do fluxo digital?
Por Renata Putinatti
Diariamente somos bombardeados por inovações que prometem facilidades, agilidade, economia de tempo e dinamismo, seja na vida pessoal ou profissional. Logicamente, na Odontologia os sistemas digitais estão cada vez mais presentes e prenunciam benefícios tanto para os profissionais quanto para os pacientes, oferecendo processos mais simples e ágeis, otimizando a produtividade e diminuindo custos. “A introdução da tecnologia na Odontologia ajuda na aquisição de informações e dados, na integração de diferentes especialidades, o que interfere positivamente na tomada de decisões, em soluções de problemas comuns e na diminuição de protocolos com o aumento da chance de êxito”, sintetiza a equipe de professores da Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de Lisboa (FMDUL), em Portugal, composta por Diogo Viegas, Guilherme Saavedra, João Caramês e João Tiago Mourão.
Apesar dos pontos positivos bastante evidentes, a introdução da tecnologia à clínica diária ainda gera receio, principalmente pelo desconhecimento e necessidade de alto investimento inicial. A adesão às inovações também pode esbarrar na falta de qualificação profissional, na necessidade de investir em conhecimento e na escassez de clínicos especializados.
Por isso, o método de trabalho convencional ainda é amplamente adotado e possui a especificidade de depender da experiência profissional, além da incorporação de muitas etapas técnicas para atingir o resultado esperado. “A utilização da tecnologia nem sempre garante resultados melhores, mais precisos e previsíveis, nem transforma um profissional pior em melhor, porém pode aproximar extremos em alguns procedimentos”, complementam os professores da FMDUL. Eles ilustram mencionando que a moldagem digital é uma alternativa clinicamente aceitável à técnica convencional para a execução de coroas sobre dentes ou implantes até três ou quatro elementos. “Ausência de desconforto, distorção reduzida dos materiais de impressão, pré-visualização tridimensional do preparo dentário e efetividade no tempo são benefícios da impressão digital que validam a excelente aceitação por parte dos pacientes e dos profissionais, apesar das desvantagens pelo elevado custo de aquisição e dificuldades da manutenção dos equipamentos”, dizem.
No entanto, o sucesso das reabilitações protéticas confeccionadas tanto pelo método convencional como digital está subordinado a vários fatores. “Antes de comparar as duas técnicas, é preciso entender que cada uma apresenta resultados distintos, dependendo da acurácia e precisão dos equipamentos utilizados, da técnica empregada, dos materiais e da habilidade dos operadores. Esses fatores, associados ao conhecimento, plano de tratamento e comprometimento, irão interferir significativamente no resultado e longevidade das próteses”, avaliam José Cícero Dinato, doutor em Implantodontia, e Thiago Dinato, doutor em Prótese Dentária.
Da mesma forma que compreendemos os limites das reabilitações convencionais, como a necessidade de solda na fundição de estrutura metálica extensa, é essencial saber que existem limites para o escaneamento intraoral nas reabilitações totais fixas. Ou seja, os dois sistemas têm suas vantagens e desvantagens. “Ao comparar o molde clássico com a dinâmica da imagem do escaneamento, verifica-se a facilidade com que o técnico em prótese dentária ou o cirurgião-dentista podem definir o limite cervical do preparo e realizar o desenho da prótese com mais segurança. A magnificação dos detalhes permite que no momento do escaneamento sejam avaliados tridimensionalmente os ângulos e o acabamento do preparo, o espaço interoclusal e a fidelidade da reprodução do limite cervical”, exemplificam José Cícero e Thiago. Por outro lado, de acordo com eles, quando há um preparo muito subgengival ou com grande altura, a profundidade de escaneamento pode dificultar a utilização dos scanners intraorais. Também há restrição em casos de sangramento gengival, metais nos dentes vizinhos (que geram muito reflexo na imagem) e escaneamento de reabilitação extensa em etapas.
Na maior parte das vezes, escaneamentos perfeitos geram moldagens perfeitas. Porém, também é possível conseguir moldagens perfeitas e escaneamentos insatisfatórios – motivo da troquelização com toalete dos troquéis nos modelos analógicos. “Infelizmente, muitos escaneamentos são enviados aos laboratórios digitais sem os devidos cuidados de afastamento gengival, áreas escaneadas com sangue ou saliva, por isso não serão fielmente retratados pelo scanner intraoral. Isso dificulta o trabalho do técnico digital, que desenhará a margem se baseando na imagem do monitor. Já no método convencional, os técnicos têm a possibilidade de fazer a limpeza dos troquéis”, descreve a equipe da Clínica De Luca, no Rio de Janeiro, composta por José Umberto De Luca, Silvio De Luca, Pedro G. De Luca e Deyse Carvalho.
A era digital facilita a rotina clínica, mas requer cuidados e conceitos de excelência, assim como o método convencional. “Moldar sempre foi uma arte perseguida por todos. Moldagens com margens nítidas garantem um resultado perfeito – e o mesmo se aplica ao escaneamento. Uma vez que o resultado do escaneamento se dá em tempo real, os problemas podem ser corrigidos imediatamente, desde que a análise das imagens seja criteriosa”, adiciona a equipe da Clínica De Luca.
Em casos de reabilitações totais ou de confecção de vários elementos, é importante redobrar a atenção para que o escaneamento seja o mais fiel possível, obtendo as condições ideais de nitidez que o preparo exige. “O escaneamento não poupa o dentista de todo o processo de afastamento convencional. Além disso, o modelo físico é a única forma de checar a qualidade do trabalho antes da adesão/cimentação definitiva. No caso de má adaptação ou outro problema, a única forma de corrigir é por meio de um novo escaneamento. Por isso, acreditamos que o estado da arte para a obtenção de um trabalho de excelência passa pelo escaneamento intraoral do antagonista e da articulação, fazendo moldagem convencional dos preparos para posterior digitalização”, justificam os profissionais da Clínica De Luca.
Uma questão de equilíbrio
José Cícero Dinato e Thiago Dinato destacam outro ponto de comparação entre os processos analógico e digital: a forma de confecção das próteses. Nas últimas décadas, trabalhamos com o processo da cera perdida, realizando o enceramento da estrutura, incluindo revestimento e levando ao forno para eliminar a cera e, em seguida, fazer a fundição. Já no fluxo digital, existem diversos softwares de desenho que permitem, de forma matemática, confeccionar virtualmente as reabilitações protéticas unitárias, parciais ou totais com muita precisão e passividade.
Depois de aprovado, o projeto é encaminhado para o software da fresadora ou impressora 3D para a fabricação das estruturas. “Para os casos unitários e parciais sobre implante, por exemplo, é possível fazer o escaneamento intraoral e a impressão de modelo com a posterior colocação de um análogo híbrido. Porém, os artigos ainda indicam a técnica de moldagem convencional com moldeira aberta para os casos totais, posteriormente o modelo é escaneado e a estrutura metálica pode ser desenhada de maneira virtual e fresada, gerando menor desadaptação marginal da peça quando comparada à estrutura fundida, mesmo depois da solda”, afirmam.
Os sistemas digitais abertos e softwares gratuitos oferecem novas oportunidades ao permitir que os processos de criação de restaurações sejam distribuídos para melhor atender aos interesses individuais. O fluxo de trabalho digital mostrou que o tempo desde a aquisição de dados até o produto final é reduzido, com maior economia de tempo de laboratório.
Com a pandemia e a necessidade de diminuir o fluxo de clientes nos consultórios, a Odontologia Digital é um contraponto interessante para atender menos pacientes, mas de forma personalizada e em sessão única. “O fluxo digital tem um poder muito interessante no planejamento, na integração de diversas especialidades e na captura e uniformização das informações. E também tem um fator relevante na democratização dos resultados operacionais e de custo, uma vez que recursos digitais tendem a ser mais intuitivos. A integração de dados de múltiplas tecnologias pode mudar o escopo de possibilidades”, relatam os professores da universidade portuguesa.
A Odontologia Digital mudou conceitos, trouxe novas técnicas e apresentou diferentes sistemas e interações no dia a dia do clínico e dos profissionais de laboratório. Também houve uma grande transformação na experiência do paciente. “Mais opções de restauração estão disponíveis, o que pode proporcionar maior longevidade funcional e melhor estética. Novas abordagens trazem maior eficiência e precisão, o que aumenta o interesse, as possibilidades e as habilidades de todos os envolvidos no processo de restabelecer a saúde do sistema estomatognático”, conclui a equipe da FMDUL.
Caso clínico enviado por José Cicero Dinato e Thiago Dinato
Caso clínico enviado pela equipe da Clínica De Luca
Caso clínico enviado pela equipe de professores da FMDUL
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